TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
24 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL valor probatório dos documentos particulares e a exequibilidade extrínseca da pretensão neles materializada, a norma sob escrutínio introduziu uma modificação que era imprevisível. Se a lei nova estivesse vigente ao tempo em que se produziu o facto a provar, poderiam os credores ter adotado outras diligências ou precau- ções no sentido de se munirem de um título executivo, o que significa que a base da confiança gerou, nesta hipótese, uma situação de “uso da confiança” por inatividade (cfr. Sylvia Calmes, Du principe de protection da la confiance légitime en droits allemand, communautaire et français, Dalloz, 2001, pp. 392 segs.). Sendo assim, pode concluir-se que os credores desses títulos depositaram uma confiança legítima na sua exequibilidade, criada e alimentada pelo legislador, representando o novo regime uma imprevisível opção legislativa defraudadora dessa confiança. Nada fazia prever, pela anterior conduta legislativa, que fosse reti- rada a esses documentos, ex abrupto, a força executiva. Estas são razões suficientes para conferir legitimidade, consistência e validade às expetativas dos credores na imediata exequibilidade do seu título. As situações jurídicas afetadas pela alteração introduzida pela norma em análise apresentam-se como dignas de proteção. O que torna inevitável um exercício de ponderação que tem, num dos seus pólos, o interesse dos credores em ver protegida a confiança que legitimamente depositaram na não alteração do ordenamento jurídico, e no outro, o interesse público que subjaz à alteração. 11. Neste âmbito, o Tribunal Constitucional deve confrontar o peso relativo da posição de confiança, afetada por uma mutação legislativa, com as razões que motivaram a alteração identificáveis como interesse público. O legislador apontou as razões de interesse público que o levaram a retirar força executiva aos docu- mentos referidos no artigo 46.º, n.º 1, alínea c) , do anterior CPC, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, que veio dar origem à Lei n.º 41/2013: combater o risco de proliferação de ações execu- tivas injustas − risco, no entender do legislador, já concretizado no «aumento exponencial de execuções, a grande maioria das quais não antecedida de qualquer controlo sobre o crédito invocado, nem antecedida de contraditório». Com esse objetivo, o legislador dispôs-se a abrir mão da vantagem da redução de número de ações declarativas – reconhecidamente um efeito da solução anterior. O Estado, enquanto titular único do poder de execução (i.e. agressão de esferas patrimoniais privadas, para realização coativa de direitos de crédito), deve assegurar-se que a regulação do seu exercício reflita, com a maior justeza possível, todos os interesses em presença. E são ponderáveis não só interesses jurídico-materiais e jurídico-processuais “inter- nos” ao sistema jurídico, como interesses a ele “externos” (de esfera económica, em particular). Neste caso, o interesse identificado é inteiramente legítimo e escapa a qualquer censura constitucional. Como se deixou escrito no Acórdão n.º 847/14, n.º 15, é de aceitar «que a opção por um elenco mais modesto dos títulos executivos valoriza a segurança jurídica, impondo, por exemplo, maiores cautelas formais na verificação da autenticidade das declarações ou assinaturas constantes dos documentos ou obrigando à propositura da ação declarativa», corporizando «um interesse público legítimo e relevante». Quanto ao peso relativo do interesse público em causa, o Tribunal Constitucional já referiu, no Acórdão n.º 847/14, n.º 16, que «nesta ponderação importa reter que o risco de instauração de execuções injustas» tinha vindo a ser «contrabalançado por variadas soluções legislativas», de onde se destacam, desde logo, «a possibilidade de deduzir oposição à execução (embargos de executado), a garantir o pleno exercício do con- traditório por parte do executado (artigo 816.º do CPC antigo e artigo 731.º do CPC novo), ou a faculdade concedida ao juiz de, na sequência da dedução de oposição à execução com simples fundamento na falta de autenticidade da assinatura imputada ao executado, ordenar a suspensão da execução caso seja apresentado um documento que constitui indício de prova revelador da viabilidade da oposição (artigo 818.º do CPC antigo e artigo 733.º do CPC novo), ou ainda a penalização do exequente que atue sem a prudência exigí- vel (artigo 819.º CPC antigo)». Sendo colimados, sobretudo, a obstar à procedência de execuções injustas, não é de negar a estes meios também eficácia dissuasora de iniciativas abusivas. Mas o legislador entendeu, dentro do seu espaço de liberdade, que tal era insuficiente, importando inibir, de forma proibitiva, a própria instauração de execuções baseadas em documentos particulares a que não atribuiu o necessário valor “de
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