TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

240 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – Embora o princípio da confiança postule uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação dos poderes públicos, as “expectativas” dos particulares na continuidade, e na não disrupção da ordem jurídica, não são realidades aferíveis ou avaliáveis no plano empírico dos factos, advindo a sua densidade do tipo de direitos de que são titulares as pessoas afetadas e o modo pelo qual a Constituição os valora; assim, a metódica a seguir na aplicação deste critério implica sempre uma ponderação de interesses contra- postos: de um lado, as expectativas dos particulares na continuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as razões de interesse público que justificam a não continuidade das soluções legislativas, e mesmo que se conclua pela premência do interesse público na mudança e adaptação do quadro legislativo vigente, ainda assim é necessário aferir, à luz de parâmetros materiais e axiológicos, se a medida do sacrifício é «inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa». IV – Em primeiro lugar, importa ter presente que os problemas atinentes à qualificação para a profissão de professor e ao ingresso na carreira docente respeitam a um núcleo problemático comum ao sistema educativo e à própria organização estrutural da função pública; a habilitação para a docência não significa a aquisição de um direito a ingressar na carreira docente; uma coisa é «poder ser professor», outra, conexa mas diversa, é «ter direito a ser professor»; as qualificações mencionadas no artigo 34.º, n.º 1, da Lei de Bases do Sistema Educativo – e que correspondem tão-só à formação inicial dos professores – são apenas uma condição necessária para ensinar (em qualquer escola, pública ou pri- vada), não uma condição suficiente; a qualificação obtida na sequência da formação inicial, só por si, não confere nenhum direito a ensinar na «escola pública»; assim sendo, a qualificação ou formação dos docentes é matéria que deve estar no âmbito da lei de bases do sistema de ensino, mas a mesma, por si só, não pode assegurar o ingresso na carreira docente nem exclui a previsão de instrumentos destinados a verificar ou comprovar a aptidão para a docência num dado momento. V – Por outro lado, as normas sindicadas no presente recurso não se pretendem aplicar a concursos passa- dos nem põem em causa as qualificações conferidas aos docentes no âmbito da sua formação inicial; portanto, as eventuais expectativas juridicamente relevantes criadas por aquelas qualificações em relação a exercer funções docentes no quadro do ensino público permanecem intocadas; por outro lado, as normas em apreço limitam-se a prever – relativamente aos professores interessados em con- correr a lugares de ingresso, desde 2007; e no tocante aos professores interessados em obter colocação temporária no ensino público, desde 2009 – a exigência de aprovação numa prova de avaliação que se veio a realizar, pela primeira vez, em 2013; acresce que a exigência de obtenção de aprovação na prova de avaliação foi desde o primeiro momento acompanhada de regras de dispensa, umas tran- sitórias outras definitivas e embora a modificação de tais regras seja suscetível de gerar situações de incerteza, o problema reside nas regras modificativas das condições de dispensa e não na exigência de aprovação na prova, que se manteve constante desde 2007, para certos efeitos, e desde 2009, para outros; finalmente, também não pode ser desconsiderado o interesse público prosseguido mediante a exigência da prova de avaliação nos termos legalmente previstos. VI – Em suma, a criação da prova de avaliação pelo legislador corresponde ao exercício do seu poder de conformação democrática do ordenamento jurídico e visou reforçar as garantias de qualidade do ensino público; a anterior situação de não previsão de tal prova não era suscetível de criar quaisquer «expecta- tivas de continuidade», designadamente no que se refere ao ingresso na carreira docente ou a exercício de funções docentes no quadro do ensino não superior público, desde logo, porque a formação inicial dos professores apenas podia ser perspetivada como uma das condições necessárias para o efeito; porque

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