TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL requerendo uma aplicação da lei nova tão imediata quanto possível. Contudo, a evolução legislativa quanto a esta matéria descrita supra foi suscetível de fundar uma confiança particularmente forte na constância do regime ou, pelo menos, na não supressão do valor de título executivo a documentos que já o possuíam. Por outro lado, o juízo quanto à excessiva amplitude do elenco dos títulos executivos, se justifica uma intervenção ablativa de uma das categorias anteriormente previstas, não impõe uma aplicação imediata e praticamente sem qualquer ressalva do novo regime, sem dar qualquer possibilidade aos titulares dos documentos que per- dem a natureza de títulos executivos de instaurarem, após a publicação da nova lei, execuções com base neles. Assim, o interesse público subjacente àquele regime não demonstra ter um contrapeso suficientemente intenso face à medida da afetação da confiança legítima dos credores. Tendo em conta o grau de relevância atribuível a este interesse público (e à urgência da aplicação do novo regime), não se afigura que «a previsão de um regime transitório adequado», tal como propugnado no Acórdão n.º 847/14, n.º 16, afetasse de modo incomportável ou irrazoável a sua realização, a ponto de justificar o sacrifício total da posição de confiança. Nessa medida, a norma objeto do pedido afeta excessivamente as expetativas dos particulares que se mostram legítimas e fundadas em boas razões, com ofensa do princípio constitucional da proteção da confiança dos cidadãos, ínsito no princípio do Estado de direito, que se encontra consagrado no artigo 2.º da Constituição. III – Decisão Pelo exposto, o Tribunal Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c) , do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição). Lisboa, 23 de setembro de 2015. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Catarina Sarmento e Castro – João Pedro Caupers – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Pedro Machete (vencido pelas razões constantes da declaração de voto da Cons. Ana Guerra Martins) – Fernando Vaz Ventura (vencido pelas razões constantes da declaração de voto da Sr.ª Conselheira Ana Guerra Martins) – João Cura Mariano (vencido pelas razões constantes da declaração de voto que junto) – Ana Guerra Martins (vencida, conforme declaração junta) – Joaquim de Sousa Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO O Novo Código de Processo Civil eliminou a possibilidade de poder ser instaurada execução, tendo por base um mero documento particular assinado pelo devedor que importasse constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante fosse determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto [artigo 46.º, alínea c) , do Código de Processo Civil de 1961, na sua redação mais recente], a qual tinha sido consagrada pela reforma processual de 1995. E a Lei que aprovou o novo Código de Processo Civil determinou que o disposto sobre títulos executi- vos só se aplicava às execuções iniciadas após a entrada em vigor do novo diploma. Estamos perante uma norma transitória sectorial que determina que a aplicação de uma nova regra processual que veio restringir o acesso direto à ação executiva, apenas se aplique aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, mesmo que a respetiva relação jurídica controvertida se tenha constituído em data anterior.

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