TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

27 acórdão n.º 408/15 Sendo a orientação geral, relativamente à aplicação no tempo das normas que regem os processos, a de a sua aplicação ser imediata, dado o direito processual ser, por um lado, um ramo do direito público, em que os interesses da boa administração da justiça se sobrepõem aos interesses dos particulares e, por outro lado, do direito adjetivo que não regula os conflitos de interesses, mas o modo de os solucionar, dificilmente se poderá falar neste domínio em expectativas legítimas dos particulares na manutenção do quadro legislativo vigente nesse domínio, sobretudo quando o processo ainda não foi instaurado. Em princípio, não há razões que justifiquem que os particulares confiem que o quadro processual vigente à data da constituição de determinada relação jurídica se irá manter inalterado até ao momento em que tenham que recorrer aos tribunais para solucionar um conflito entretanto ocorrido nessa relação. Admite-se, contudo, relativamente à questão sub iudicio que, à data da formação de um negócio jurí- dico, os seus outorgantes tenham em conta os títulos que no quadro legislativo vigente, sobretudo quando este revele alguma estabilidade, poderão conferir um acesso direto à ação executiva, num futuro litígio que implique o recurso aos tribunais, donde resultará uma expectativa na manutenção desse enquadramento jurí- dico, apesar da exequibilidade dos títulos só ser cognoscível no momento em que é proposta a ação executiva. E se é verdade que desde há muito que a orientação legislativa neste domínio tinha sido o de alargar o número de títulos que permitem o acesso direto à ação executiva, visando diminuir o número de ações declarativas, não se pode ignorar que antes desta alteração o sistema português era o que se apresentava no quadro da União Europeia como o mais generoso no que concerne à exequibilidade de documentos extra- judiciais, sendo já muitas as denúncias quanto ao número preocupante de “execuções injustas” e uma reali- dade o excesso de pendência dos processos executivos, em grande parte motivado pelo elevado número de oposições à execução, com a consequente tramitação de uma ação declarativa dentro do processo executivo, pelo que a solução perfilhada pelo Novo Código de Processo Civil não pode ser olhada como uma surpresa totalmente inesperada. Atenta a prodigalidade do legislador português, pode dizer-se que no ponto a que se tinha chegado antes da aprovação do Novo Código de Processo Civil o único caminho que se avistava era o do retrocesso, o qual aliás já encontrava anunciado no Programa do XIX Governo Constitucional apresen- tado em 1 de julho de 2011. Realce-se ainda que a frustração destas débeis expectativas, sobrevalorizadas no presente Acórdão, não implica quaisquer consequências substantivas, refletindo-se apenas quanto ao modo como o direito invocado pode ser judicialmente exercido, sem que a necessidade de instauração de um processo declarativo a quem era possuidor de um documento particular assinado pelo devedor que importasse constituição ou reconheci- mento das obrigações referidas no anterior artigo 46.º, alínea c) , do Código de Processo Civil de 1961, faça perigar o exercício efetivo daquele direito, atenta a faculdade de dedução de procedimentos cautelares que lhe confere uma tutela provisória antecipada. No outro prato da balança temos os prementes interesses públicos que presidiram à alteração legislativa – o combate ao risco das “execuções injustas”, e a diminuição do número das ações executivas que entorpe- ciam o regular funcionamento do sistema judicial – e a necessidade dessas alterações já se aplicarem aos pro- cessos iniciados após a sua entrada em vigor, independentemente da data da formação do título formalizador dos negócios jurídicos respeitantes à relação jurídica controvertida, de modo a evitar uma fragmentação do regime processual aplicável, prejudicial para a certeza e uniformidade do direito e para o sucesso das finali- dades perseguidas com a nova política legislativa. Tendo em conta a fragilidade das expectativas enunciadas, entendo ser evidente a prevalência das razões de ordem pública que presidiram à emissão da norma transitória sob fiscalização, a qual acautelou suficien- temente os direitos processuais já constituídos ao determinar que as novas regras sobre títulos executivos só eram aplicáveis aos processos que no futuro viessem a ser instaurados, salvaguardando os processos em curso. Por estas razões pronunciei-me pela não inconstitucionalidade da norma sob fiscalização e, por isso, votei vencido. – João Cura Mariano.

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