TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
272 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mesmo Estatuto, na redação dada pelo citado Decreto-Lei, cumpre as exigências constitucionais em matéria de leis restritivas no plano orgânico-formal. Os requisitos exigíveis para o exercício de funções públicas – “as qualidades ou condições que o indiví- duo deve ter para poder ser parte numa relação jurídica de emprego público” – consubstanciam restrições no acesso ao emprego público, pelo que “devem ter base legal (lei ou decreto-lei autorizado)” (assim, vide Ana Fernanda Neves, “O Direito da Função Pública” in Paulo Otero e Pedro Gonçalves (coord.), Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. VI, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 359 e segs., pp. 463-464; cfr. também supra o n.º 15). Como mencionado anteriormente (vide supra os n. os 7 e 8), a submissão a uma prova de avaliação dos candidatos à docência no ensino não superior público que ainda não integram a carreira docente foi consa- grada nos artigos 2.º e 22.º, n.º 1, alínea f ) , do Estatuto da Carreira Docente pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro, e posteriormente confirmada – com modificações pontuais – pelos Decretos-Leis n. os 270/2009, de 30 de setembro, 75/2010, de 23 de junho, e 146/2013, de 22 de outubro. Todos estes diplo- mas foram emitidos ao abrigo da competência legislativa complementar do Governo – artigo 198.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição – em desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo. Esta Lei prevê no seu artigo 34.º, n.º 2, que o Governo defina, por decreto-lei, “os perfis de compe- tência e de formação de educadores e professores para ingresso na carreira docente”; e, no seu artigo 62.º, n.º 1, alíneas b) e c) , que o Governo deverá publicar, sob a forma de decreto-lei, a legislação complementar relativa à “formação do pessoal docente” e às “carreiras de pessoal docente”. Porém, estas habilitações, para serem eficazes, pressupõem a existência de um princípio ou «base» a desenvolver; por si só, não visam nem podem modificar a distribuição constitucional de competências legislativas entre a Assembleia da República e o Governo. Ora, a prova de avaliação em análise foi introduzida, entre outras razões, justamente porque a forma- ção inicial dos professores regulada no Estatuto da Carreira Docente antes de modificado pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro, foi considerada insuficiente para assegurar ao nível desejado a qualidade do ensino no sistema de ensino não superior público (cfr. supra os n. os 16 e 17); a mesma não interfere, por isso, com a matéria disciplinada no artigo 34.º, n.º 1, da Lei de Bases do Sistema Educativo, em concretização do princípio geral estabelecido no n.º 1, alínea a) , do artigo anterior do mesmo diploma: “formação inicial de nível superior, proporcionando aos educadores e professores de todos os níveis de educação e ensino a informação, os métodos e as técnicas científicos e pedagógicos de base, bem como a formação pessoal e social adequadas ao exercício da função” (cfr. supra o n.º 12.1). Aliás, e como anteriormente referido, a prova em questão visa sim elevar o patamar de exigência em termos de capacidades e conhecimentos relativamente àqueles que pretendam lecionar no mencionado sistema público. Em causa está a avaliação de competências e conhecimentos, para efeitos de determinar se umas e outras são suficientes para assegurar a qualidade de ensino a um certo nível; e não a formação. Daí, também, a conexão imediata da mesma prova com a matéria do acesso à função pública. Pelo exposto, o artigo 34.º, n.º 2, da Lei de Bases do Sistema Educativo não serve como norma habilitadora. Relativamente ao artigo 62.º, n.º 1, alíneas b) e c) , do mesmo diploma, verifica-se que tais preceitos – mesmo conjugados com o restante articulado –, não contêm qualquer determinação normativa à qual a prova de avaliação aqui em causa possa ser reconduzida. Isto é: se nenhuma disposição da Lei de Bases do Sis- tema Educativo é contrariada pela instituição de uma tal prova, também nenhuma delas a fundamenta dire- tamente ou prefigura. Nesta perspetiva, a instituição da prova de avaliação pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro – e confirmada pelos subsequentes decretos-leis que introduziram modificações na sua conformação e no seu âmbito de aplicação – não corresponde a qualquer desenvolvimento de algo que exista na citada Lei de Bases. Por outro lado, não pode ser esquecido que a matéria das “carreiras de pessoal docente” respeita não apenas ao ensino, mas também à função pública e que a exigência de aprovação na prova de avaliação con- substancia uma restrição do direito de acesso à função pública, que é um direito, liberdade e garantia. Como
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