TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Votámos vencidos por considerar que a norma do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à referida Lei, a documentos par- ticulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c) , do Código de Processo Civil de 1961, não configura uma ofensa ao princípio da confiança (cfr. artigo 2.º da CRP), pelo que não é inconstitucional. Tal como se afirma no Acórdão, para se aferir da violação do princípio da confiança há que escrutinar a consistência e a legitimidade das expetativas dos cidadãos afetados por uma alteração normativa, havendo de concluir-se que aquela existe quando (1) o legislador tenha encetado comportamentos capazes de gerar nestes cidadãos expetativas de continuidade, (2) estas expetativas sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões, (3) e as pessoas tenham feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento estadual. Considera o Acórdão que o reconhecimento da exequibilidade imediata aos documentos particulares implicou que os credores desses títulos tenham depositado uma confiança legítima nessa exequibilidade, criada e alimentada pelo legislador. O novo regime representaria, pois, uma imprevisível opção legislativa defraudadora dessa confiança, nada fazendo prever, pela anterior conduta legislativa, que fosse retirada a esses documentos, ex abrupto , a força executiva. Ora, não concordamos, desde logo, com esta posição, na medida em que só a partir da Reforma de 1995-96, entrada em vigor de 1997, é que esta solução vingou. Até então haviam vigorado vários regimes mais ou menos mitigados de não reconhecimento de força executivo aos meros documentos particulares não autenticados. Assim, atente-se na breve resenha histórica, exposta por Armindo Ribeiro Mendes (cfr. O processo executivo no futuro Código de Processo Civil, in http://www.oa.pt/upl/%7Ba62c667e-c5bf-44c0-a7eb- 2c3d154dbef9%7D.pdf, p. 101): «(…) 22. Em 1977, o Decreto-Lei n.º 533/77, de 30 de dezembro, alterou as condições de exequibilidade dos títulos particulares. Na versão primitiva do Código de Processo Civil de 1961 – na linha do estabelecido já no Código antecedente – exigia-se o reconhecimento da assinatura do devedor em todos os documentos particulares, salvo no extrato de fatura. O reconhecimento era por semelhança, no caso de a execução ter por fim o pagamento da quantia certa e o montante da dívida constante do título não exceder a alçada do tribunal da comarca. Nos restantes casos, exigia-se o reconhecimento presencial da assinatura do devedor. A partir de 1977, deixou de se exigir o reconhecimento de assinatura do devedor nos títulos cambiários (letras, livranças e cheques) quando o montante da dívida constante do título fosse igual ou inferior à alçada da Relação (na época, 200 contos). Nos restantes casos de títulos cambiários com valores acima da alçada da Relação, exigia-se o reconhecimento por semelhança da assinatura do devedor. Ficou, assim, claramente facilitada a execução de títulos cambiários, medida legislativa que beneficiou muito os bancos nacionalizados, portadores de títulos cambiários. A chamada Reforma Intercalar de 1985 (Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de julho) eliminou a exigência de qualquer reconhecimento notarial para a plena exequibilidade dos títulos cambiários (letras, livranças e cheques). A partir de 1 de janeiro de 1997, com a entrada em vigor da Revisão de 1995-1996, deixou de se exigir qualquer reconhecimento notarial de assinatura do devedor nos documentos particulares, salvo no que toca aos escritos particulares com assinatura a rogo (artigo 51.º). Por outro lado, passou a permitir-se a exequibilidade de títulos particulares não só pecuniários, como daqueles de que consta a obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestações de facto.» Daqui decorre que, ao nível do direito interno, o grau de consolidação do regime de concessão de força executiva a documentos particulares não autenticados, vigente até à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, não se encontrava totalmente consolidado.

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