TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

286 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL administrativos proferidas em segundo grau de jurisdição fora dos casos excecionais previstos nos artigos 150.º e 152.º, ambos do CPTA, ainda que se trate de questões decididas pela primeira vez nesses tribunais. 5. Os recorrentes peticionam expressamente a apreciação da constitucionalidade da referida norma face ao parâmetro do princípio do processo equitativo. Durante o processo cotejaram expressamente o “direito ao recurso”, enquanto dimensão constitutiva da garantia do processo equitativo (cfr. fls. 193 e segs. e 234 e segs.). E, na ver- dade, o que questionaram durante o processo perante o tribunal recorrido foi precisamente a violação do direito ao recurso, e não de qualquer outra dimensão da garantia do processo equitativo tradicionalmente identificadas pela doutrina e jurisprudência (tais como, designadamente, a igualdade de armas, o princípio da proibição da indefesa, o princípio do contraditório, o direito a prazos de ação razoáveis ou o princípio da adequação funcional e da pro- porcionalidade dos ónus processuais). Este é o problema que agora se apresenta ao Tribunal Constitucional: o de saber se a solução normativa aplicada pelo tribunal a quo, e que impõe a irrecorribilidade de decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição, ainda que se trate de questão apreciada pela primeira vez nessa instância, viola o direito ao recurso. A resposta não pode deixar de ser negativa, face à extensa e consolidada jurisprudência constitucional neste âmbito. Com efeito, o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente que, «fora do processo penal e quando não esteja em causa a violação pela decisão jurisdicional de direitos fundamentais a Constituição não impõe a consagração do direito ao recurso, dispondo o legislador do poder de regular, com larga margem de liberdade, a recorribilidade das decisões judiciais» (cfr. Acórdão n.º 151/15, disponível, assim como os demais adiante citados, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) . 6. Encontramo-nos em domínio reservado pela Constituição à conformação pelo legislador, democraticamente eleito, a qual conhece apenas os seguintes limites: Por um lado, a disciplina legal do sistema de recursos deve ser tal que respeite a sua própria existência. Como se observou no Acórdão n.º 261/02, “(…) este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III – Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribu- nais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional – artigo 210.º), terá de admitir-se que ‘o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos’ (cfr., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional , vol. 9, p. 463, e n.º 340/90, id., vol. 17, p. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a invia- bilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões [cfr. os citados Acórdãos n.º 31/87, 65/88, e ainda 178/88 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12, p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos n.º 359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, p. 605), n.º 24/88, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, p. 525), e n.º 450/89, ( Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13, p. 1307)].” Por outro lado, a liberdade de conformação do legislador em matéria de direito ao recurso conhece ainda limites decorrentes do princípio da igualdade. Neste domínio, entende o Tribunal Constitucional que, fora do processo penal, quando o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição, na respetiva regulamentação não lhe e consentido adotar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerar-se vinculado ao respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cfr. o Acórdão n.º 197/09). Como

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