TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

288 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como então se afirmou, a Constituição não impõe ao legislador um direito ao recurso, fora do processo penal e sempre que não esteja em causa a violação, pela decisão jurisdicional, de direitos fundamentais. Fora daqueles domínios – de exigências garantísticas mais densas – a margem de conformação do legislador conhece apenas os limites decorrentes da garantia de existência do próprio sistema de recursos, bem como das exigências decorrentes do princípio da igualdade. Quanto a este parâmetro, o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que na regulamentação do sistema de recursos – ainda que fora das áreas em que o direito ao recurso é constitucionalmente imposto – o legislador não pode adotar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerar-se vinculado a respeitar o direito a um processo equitativo e os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Os reclamantes sustentam, contudo, que a insusceptibilidade de recurso de decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos, quando se trate de questões decididas pela primeira vez por esses tribunais, fora dos casos previstos nos artigos 150.º e 152.º do CPTA, não tem justificação razoável uma vez que não se limita a questões de diminuta ou residual relevância. Contudo, não explicam de que modo se revela tal solução irrazoável. Ora, in casu estamos perante decisão que, em si mesma, não comporta qualquer afetação de direitos fundamentais (cfr. o n.º 1 da decisão reclamada). A margem de conformação do legislador é, por isso, ainda mais ampla, sendo apenas passível de censura aquelas situações que ofendem os limites decorren- tes do princípio da igualdade e da própria existência do sistema de recursos. Salvaguardando o legislador o direito ao recurso de revista nos casos previstos nos artigos 150.º e 152.º do CPTA, bem como o direito a impugnar qualquer decisão dos tribunais centrais administrativos que afete, em si mesma, direitos funda- mentais, não resulta comprovada pelos reclamantes qualquer ofensa ao «núcleo central» de um tal direito nem a desrazoabilidade da solução adotada. Como se disse, não se tratando de matérias em que a exigência do recurso decorre de imposição constitucional, o legislador pode adotar soluções que restrinjam a recorribi- lidade das decisões, uma vez que tais soluções visam a prossecução de outro fim constitucionalmente legítimo como é o da celeridade na obtenção de um desfecho do litígio judicial. A solução da irrecorribilidade, como regra, das decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos, mesmo que se trate de uma primeira pronúncia, não ofende os limites impostos ao legislador em matéria de disciplina do sistema de recursos, uma vez que inexiste, nesta matéria, um qualquer direito a recorrer da decisão judicial. 6. A consideração do regime de recursos em matéria cível também não é suscetível de constituir defesa útil da tese dos reclamantes. Pretendem os mesmos que a consagração do recurso de revista em processo civil fora dos casos de “dupla conforme” (cfr. artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho) demonstra que «foi considerado inaceitável adotar um entendimento tão “dra- coniano” como o entendimento ora perfilhado», quanto à inexistência de recurso das decisões dos tribunais centrais administrativos proferidas em segundo grau de jurisdição. Este argumento não colhe. A única relevância que se pode atribuir à consagração recente, no âmbito do processo civil, do regime previsto no artigo 671.º, é a da utilização, pelo legislador, da sua liberdade de valoração e conformação, a qual, caso o mesmo entenda pertinente, pode por si ser alargada ao regime do processo administrativo. Não tendo ocorrido tal modificação legislativa no âmbito do processo administrativo, o único significado atribuí- vel é o de que o legislador considerou que seria de manter, nesse âmbito, a solução legal de irrecorribilidade das decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos fora dos casos excecionais previstos nos arti- gos 150.º e 152.º do CPTA. Entendimento este que, situando-se nas margens da liberdade de conformação constitucionalmente atribuída ao legislador democrático, e não resultando violado qualquer outro comando fundamental relevante conforme se demonstrou na decisão reclamada, não compete agora à jurisdição cons- titucional sancionar. Resta, por isso, indeferir a presente reclamação, confirmando-se, por conseguinte a decisão sumária impugnada.

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