TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
29 acórdão n.º 408/15 Além disso, nunca se tratou de uma solução consensual até porque a opção pela não concessão de força executiva aos documentos particulares não autenticados corresponde ao que habitualmente se passa em outros ordenamentos jurídicos, em especial, nos modelos europeus. São raros os países que conferem força executiva aos meros documentos particulares não autenticados, sendo que, recentemente, até o ordenamento jurídico espanhol recuou, retirando força executiva aos documentos particulares reconhecidos mediante juramento perante o tribunal. E o próprio Direito Europeu – maxime , a Convenção de Bruxelas – limita-se a mencionar as escrituras públicas, quando trata da exequibilidade de títulos extrajudiciais. Nesse sentido, ver José Lebre de Freitas (cfr. Os paradigmas da ação executiva , http://www.dgpj.mj.pt/sections/informacao-e-eventos/anexos/sections/ informacao-e-eventos/anexos/professor-doutor-lebre/downloadFile/file/plf.pdf?nocache=1210676672.22, pp. 2-3): «(…) 3. A generalidade dos países europeus é avara na concessão de exequibilidade a títulos não judiciais. A Conven- ção de Bruxelas trata apenas da escritura pública: embora não imponha a sua força executiva aos Estados que não lha atribuem, o certo é que a maioria das ordens jurídicas internas a consideram título executivo, designadamente quando constitui título hipotecário. O mesmo não acontece no campo dos documentos particulares: em alguns países o cheque, noutros a letra, noutros ainda o cheque e a letra constituem título executivo (1); na Suécia, cons- titui-o o documento em que o devedor de alimentos reconheça a sua dívida, desde que a declaração seja atestada por testemunhas. A Espanha recuou: na nova LEC deixou de ser título executivo o escrito particular reconhecido sob juramento perante o juiz, sendo-o apenas o cheque, a letra e a conta de honorários de advogado. Esta timidez generalizada na concessão de exequibilidade ao documento particular tem como óbvia razão de ser a garantia do devedor perante a execução injusta, cujos males o contraditório subsequente a uma impugnação nem sempre tem a virtude de sanar em termos constitucionalmente aceitáveis. O generalizado recurso prévio à fórmula executiva (2), entre nós só conhecida no processo de injunção e no âmbito da Convenção de Bruxelas e da de Lugano, e o cuidado com que se discute hoje, em países como a França, a Bélgica ou a Itália, a necessidade da inversão do contencioso, nomeadamente mediante a postergação para a ação executiva dadefesa do devedor que, notificado para pagar, não se oponha (3), são manifestações da tensão entre esta preocupação garantística e as necessidades de realização rápida e efetiva dos direitos violados. Dão-se passos importantes e decididos, mas graduais e prudentes.» Isto significa que a opção tomada pelo legislador português, até à entrada em vigor do novo CPC nem sequer se afigurava uma solução consensual ou com paralelismo noutros ordenamentos jurídicos estrangei- ros. Não é de estranhar, portanto, que a doutrina tendesse a qualificar o anterior sistema jurídico português como um dos mais generosos, relativamente ao reconhecimento de força executiva aos documentos particu- lares (precisamente nesse sentido, ver José Lebre de Freitas, Os paradigmas da ação executiva, cit., p. 3; Ribeiro Mendes (cfr. O processo executivo no futuro Código de Processo Civil, cit., pp. 101-102). Mas mais decisivo é que o próprio Programa do XIX Governo Constitucional, apresentado em 30 de junho e 1 de julho de 2011 (cfr. http://www.portugal.gov.pt/media/130538/programa_gc19.pdf ) expressamente determi- nou, no Capítulo relativo à Justiça e a propósito das medidas a adotar, em matéria de ação executiva, que: «– No caso de existir um título executivo diferente de sentença, deve ser criado um processo abreviado que per- mita a resolução célere dos processos, sem prejuízo da reponderação das condições de exequibilidade dos documen- tos particulares como títulos executivos (mantendo-se o atual regime de exequibilidade dos títulos de créditos), que só poderão ter a virtualidade de adquirir força executiva quando for inequívoca a obrigação exequenda e estiverem asseguradas as garantias das pessoas contra execuções injustas» (cfr. p. 67) Ora, pelo menos, quanto aos documentos particulares não autenticados desde essa data – isto é, 1 de julho de 2011 –, não pode invocar-se qualquer proteção de legítimas expetativas, visto que os destinatários da norma poderiam saber que era intenção do Governo propor a eliminação, pelo órgão com competência legislativa, do reconhecimento de força executiva a esses documentos. Assim sendo, a invocação da ausência
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