TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
30 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de uma norma transitória que acautelasse as expetativas jurídicas de quem é beneficiário do reconhecimento de um crédito, mediante documento particular não autenticado também não pode deixar de ser interpretada à luz das supra aludidas circunstâncias. E, mesmo que assim se não entendesse, sempre as razões de interesse público que motivaram a alteração se deveriam sobrepor às expectativas das pessoas. Ora, conforme se assevera, no preâmbulo da Lei n.º 41/2013, um dos objetivos que perpassou esta opção legislativa radicou na intenção de evitar a desproteção dos devedores menos informados ou mais incautos, que possam ter assinado declarações de dívida sem ter consciência plena do ato que pratica- vam (sem o devido controlo de um terceiro imparcial; designadamente, de um notário), e de combate à proliferação de incidentes declarativos no âmbito da ação executiva, em que os executados contestam a validade do reconhecimento da dívida, constante de documento particular não assinado. Aliás, con- forme bem nota Armindo Ribeiro Mendes (cfr. O processo executivo no futuro Código de Processo Civil, in http://www.oa.pt/upl/%7Ba62c667e-c5bf-44c0-a7eb-2c3d154dbef9%7D.pdf , p. 146), membro da respetiva Comissão de Revisão, essa opção de eliminação da força executiva dos documentos particulares não autenti- cados muito contribuiria para a redução dos incidentes declarativos em sede de ação executiva e, por conse- quência, da própria pendência em sede de processo executivo: «Se for conseguida a “limpeza” das secretarias dos tribunais e dos gabinetes dos agentes de execução através dos meios administrativos previstos no Decreto-Lei n.º 4/2013 e se a Assembleia da República não alterar a solu- ção proposta de eliminação dos documentos particulares não autenticados sem natureza cambiária como títulos executivos, estão reunidas, em nossa opinião, as condições para tornar mais eficaz a ação executiva em Portugal.» A aceitação da força executiva de documentos particulares não autenticados tem suscitado inúmeros problemas relacionados com a fidedignidade dos mesmos e quanto à garantia da vontade livre e esclarecido daqueles que figuram como devedores nesses mesmos documentos. Nesse sentido, retoma-se a seguinte cita- ção extraída de José Lebre de Freitas (cfr. Os paradigmas da ação executiva, cit., pp. 2-3): «Esta timidez generalizada na concessão de exequibilidade ao documento particular tem como óbvia razão de ser a garantia do devedor perante a execução injusta, cujos males o contraditório subsequente a uma impugnação nem sempre tem a virtude de sanar em termos constitucionalmente aceitáveis.» E no mesmo sentido já se pronunciou Miguel Teixeira de Sousa (citado nas alegações do Ministério Público, in http://blogippc.blogspot.pt ): «O que talvez mais impressione no acórdão da RE é a unilateralidade da análise. Nunca se pondera a posição do executado. Será que, na opção do legislador (que, por sinal, não coincidiu com a da Comissão de Revisão do Processo Civil), não relevou que alguns títulos executivos não constituíam garantia suficiente da constituição da dívida e não protegiam suficientemente o executado? Se o credor tem um direito constitucionalmente protegido a instaurar uma execução, o devedor também tem um direito, necessariamente merecedor da mesma proteção, a não ser executado com base num título que não oferece garantias suficientes de constituição da dívida (e que até, por vezes, nem assegura ao devedor a consciência de que está a participar da formação de um título executivo que pode vir a ser utilizado contra ele). O cruzamento desta problemática com a da proteção do consumidor impõe, de imediato, uma perspetiva de análise bastante diferente daquela que foi a assumida no acórdão da RE.» (cfr. § 3) Ainda que reportando-se a uma versão menos incisiva e intensa, proposta pela Comissão Revisora do Código de Processo Civil, ver igualmente Armindo Ribeiro Mendes (cfr. O processo executivo no futuro Código de Processo Civil, cit., respetivamente, pp. 129 e 131-132):
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