TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
302 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado – como ainda se anotou no Acórdão n.º 442/07 – quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64.º da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (cfr. o artigo 91.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias e o artigo 195.º do Código Penal, por um lado, e artigo 383.º deste Código e os n. os 2 e 3 daquele artigo 91.º, por outro). Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos dados que dele são objeto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, que deixa salvaguardado – ainda que com o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos – “o conteúdo essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da atividade bancária” (Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos , Coimbra, 1997, p. 619). Constata-se, pois, que, não só o sigilo bancário cobre uma zona de segredo francamente suscetível de limitações, como a sua quebra por iniciativa da Administração Tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido. Em contrapartida, em ordem à necessidade de obtenção de receitas para suporte das despesas públicas e à realização dos fins inerentes ao sistema fiscal – incluindo a tributação segundo a capacidade contributiva e a dis- tribuição equitativa da carga fiscal –, a Administração Fiscal está sujeita a um rigoroso princípio do inquisitório, pelo qual deve, no âmbito do procedimento tributário, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Princípio esse que é completado por um dever de colaboração recíproco entre os órgãos da administração e os contribuintes (artigos 58.º e 59.º da LGT). O que torna por si justificável que ao dever de averiguação oficiosa da Administração se não possa opor, em termos absolutos, o direito à privacidade relativa a elementos de infor- mação bancária.» Relativamente à alegada violação dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição, refere o mesmo Acórdão: «(…) interessa ponderar (…) se o regime de derrogação do sigilo bancário previsto no n.º 6 do artigo 129.º satisfaz as exigências garantísticas do procedimento e do processo administrativo (tomando como assente que o direito ao processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição se deve considerar extensivo ao próprio procedimento). Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (Acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 741). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (entre muitos outros, o Acórdão n.º 1193/96). Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta mode- lação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do processo equitativo, os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproprocionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da pro- porcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em homenagem ao
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