TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

31 acórdão n.º 408/15 «Procurava-se evitar abusos da prática empresarial em que o montante da dívida assumida só podia ser calcu- lado tendo em conta a remissão do documento assinado para anexos mais ou menos complexos. Daí a exigência de inequivocidade da assunção de obrigação e do seu conteúdo.” ( idem, p. 129) «55. Em relação ao Código vigente, a preocupação de Proposta de Lei foi a de eliminar o título executivo mais problemático quanto à sua fiabilidade (documentos particulares não cambiários) – o que não deixará de sus- citar criticas por parte de bancos, instituições financeiras e empresas de vendas de bens a prestações (…).» ( idem , pp. 131-132) Assim sendo, verifica-se uma notória contraposição de interesses entre os credores e os devedores que, segundo Miguel Teixeira de Sousa, deveria ter sido ponderada (in “Títulos executivos perpétuos? – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 847/14, de 3 de dezembro de 2014; Proc. 537/14”, Cadernos de Direito Pri- vado, n.º 48, 2014, p. 15). Isto é: a solução legislativa ora em apreço, ao restringir o direito de acesso à Justiça (executiva), por parte dos credores que beneficiam do reconhecimento de dívida titulada por documento particular não autenticado, acaba por salvaguardar, aumentando o grau de proteção do direito de acesso à Justiça, por parte dos devedores, visto que afasta da ação executiva a discussão acerca de direitos de crédito controvertidos, remetendo-os para a ação declarativa ou, mesmo, para o processo especial de injunção. Ora, a solução legislativa em apreço não deixa os credores totalmente desprotegidos, na medida em que se limita a não conceder força executiva ao documento particular, não impedindo os credores de instaurem uma ação declarativa, utilizando o referido documento como prova da existência do seu direito de crédito. Assim como não impede a instauração de um processo especial de injunção, fundado nesse mesmo crédito (nesse sentido, ver Sérgio Castanheira, “Novidades na ação executiva”, in Lusíada – Direito , 11 (2013), disponível in http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/1091/1/LD_11_7.pdf , p. 101; Armindo Ribeiro Mendes, O processo executivo no futuro Código de Processo Civil, cit., p. 129; Miguel Teixeira de Sousa, in http://blogippc.blogspot.pt/2014/03/aplicacao-no-tempo-do-ncpc-titulos.html ) . Não fica, portanto, colocada em causa, de modo flagrante e absoluto, a confiança jurídica dos credores, visto que não ocorre uma integral elisão do valor jurídico dos documentos particulares não autenticados adotados em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013. Além disso, conforme também demonstrado pela prática jurisdicional e pela doutrina processual-civi- lista, o recurso dos devedores signatários de documentos particulares não autenticados a inúmeros incidentes declarativos apostos às ações executivas, através dos quais colocam em causa a validade (e mesmo a fidedig- nidade) desses documentos particulares acabou por deitar por terra o objetivo de imprimir maior celeridade ao processo executivo. Com efeito, não raras vezes, aquele tipo de títulos executivos acabou por suscitar mais controvérsias do que contribuiu para a diminuição da litigância e da pendência processual. Nesta linha, Sér- gio Castanheira (cfr. Novidades na ação executiva, cit., p. 101) alerta para que: «– A facilidade com que atualmente se penhoram bens sem prévia citação do alegado devedor, impunha-se recuar no tempo, eliminando-se a exequibilidade dos documentos particulares, por forma a que a discussão sobre a existência/não existência da dívida tenha lugar na devida sede – ação declarativa – e não em incidente declarativo enxertado no âmbito da ação executiva.» Em sentido próximo, José Lebre de Freitas (cfr. Os paradigmas da ação executiva, cit., p. 3) refere-se ainda a um elevado “risco de imputar a autoria do documento particular a quem não o haja subscrito” (cfr. Os paradigmas da ação executiva, cit., p. 3), para, mais adiante, lembrar que “ não podemos perder de vista, quando consideramos o direito português, que (…) o grau de certeza da existência da obrigação constante dum documento particular de que o respeitante a uma obrigação reconhecida por sentença ou constante de escritura pública” ( ibidem , cit., p. 5).

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