TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
325 acórdão n.º 539/15 DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido quanto à decisão referente à inconstitucionalidade orgânica, nos termos e com os funda- mentos que se seguem: O artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição, passou a fazer depender da reserva relativa de compe- tência legislativa da Assembleia da República, a «criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor do Estado». Configuram-se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina de cada um desse tributos que possa corresponder a um regime-quadro. Isso também significa que só o regime geral desses tributos permanece sujeito a reserva parlamentar, não o ficando a sua concreta criação, que pode agora ser levada a cabo por diploma legislativo governamental, desde que observada a lei-quadro competente (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª edição, Coimbra, p. 1095). Parece dever entender-se, neste contexto, que a criação de contribuição financeira por meio de diploma legislativo governamental exige a prévia edição pelo parlamento de um regime geral que lhe dê cabal enqua- dramento. Isso porque, como se sublinhou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 652/13, a criação específica de uma contribuição financeira – que já não necessita da intervenção ou autorização parlamentar – deverá ter presente as regras e princípios gerais que se encontrem definidos para esse tipo de tributo. Dito de outro modo, é a definição do respetivo regime geral que confere legitimação ao Governo para a criação de um novo tributo bilateral, que, por sua vez, deverá enquadrar-se na configuração genérica que tenha sido estabelecida por lei parlamentar (neste sentido, Sérgio Vasques, As taxas de regulação económica em Portugal, Coimbra, 2008, p. 38; Suzana Tavares da Silva, As taxas e a coerência do sistema tributário, 2.ª edição, Coimbra, pp. 89-91). De fato, na vigência da redação anterior à revisão constitucional de 1997 [antigo artigo 168.º, n.º 1, alí- nea i) ], o Tribunal Constitucional, na tradicional perspetiva dicotómica que apenas distinguia entre impos- tos e taxas, considerava deverem ser tratadas como impostos e sujeitas ao correspondente regime de reserva parlamentar as receitas parafiscais que não pudessem ser reconduzidas ao conceito típico de taxas. E esse precedente jurisprudencial poderá ter influenciado a classificação tripartida agora constitucionalmente con- sagrada, que simultaneamente integra na reserva de lei formal, não a própria criação dos tributos de carácter comutativo ou paracomutativo, mas a definição do respetivo regime geral. Ora, não parece aceitável que o simples alargamento da reserva parlamentar nos termos antes enuncia- dos tenha passado a constituir habilitação constitucional suficiente para permitir ao Governo instituir livre- mente contribuições financeiras, independentemente da intervenção qualificada da Assembleia da República a quem compete definir os critérios de enquadramento geral a que esses tributos devem obediência. A inclu- são na reserva de lei formal do regime geral das contribuições financeiras parece ter tido em vista garantir uma uniformização de critérios relativamente ao modo como deverão ser asseguradas as necessidades finan- ceiras das entidades públicas e preservar a coerência e justiça do sistema tributário, tendo também em linha de conta os princípios da segurança jurídica e da justa repartição dos encargos públicos. Não terá sido propó- sito do legislador constituinte facultar incondicionalmente ao Governo a criação de contribuições financeiras públicas enquanto se mantenha uma situação de omissão legislativa em matéria de definição do regime geral. No entanto, o legislador apenas instituiu o regime geral das taxas das autarquias locais (Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro) e não aprovou até agora o regime geral das contribuições financeiras. Na ausência desse regime geral, deixa de ser possível considerar o legislador governamental habilitado a criar uma contribuição
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