TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
326 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL financeira sem prévia autorização legislativa. Isso também porque estamos perante um domínio novo, que se move no quadro de prestações económicas e relações sociais de maior complexidade, relativamente ao qual não existe uma tradição legislativa consequente, e em que se torna mais exigente a definição por via parla- mentar dos princípios estruturantes e elementos essenciais do tributo. Consideraria assim inconstitucional a norma do artigo 9.° do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e, consequencialmente, as normas dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição. – Carlos Fernandes Cadilha. DECLARAÇÃO DE VOTO Não acompanhei a posição maioritária no referente à questão da inconstitucionalidade orgânica, pelas razões que sumariamente passo a expor. O artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP contém dois regimes distintos de reserva de lei parlamentar: um, mais exigente, aplicável aos impostos, que sujeita a criação de cada imposto à previsão, em lei formal, dos elementos essenciais dessa categoria de tributos (os elementos identificados no n.º 2 do artigo 103.º); outro, menos exigente, aplicável às taxas e às contribuições financeiras a favor de entidades públicas, que se contenta com a prévia fixação de um regime geral a que a criação destas duas espécies de tributos tenha que obedecer. Ainda que em graus diferenciados, ambas as reservas representam uma garantia para o cidadão-contri- buinte: a de que nenhum tributo, com a correspondente afetação patrimonial, lhe poderá ser exigido sem a mediação parlamentar, o mesmo é dizer, sem o assentimento do órgão representativo da vontade popular, ou, pelo menos, sem enquadramento em normas gerais estruturantes e condicionantes emanadas desse órgão. No que se refere às contribuições financeiras, este regime, introduzido pela revisão constitucional de 1997, já traduz, aliás, uma atenuação do originariamente em vigor. Na verdade, antes dessa revisão, não sendo a figura das contribuições financeiras objeto de autonomização constitucional, a todo o tributo que não pudesse ser qualificado como taxa cabia o tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos. Afigura-se-me que o segmento do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), introduzido na revisão de 1997 comunga ainda da matriz de sentido associada à origem histórica desta reserva parlamentar, da qual constitui uma refração atualizada e ajustada à natureza própria desta espécie de tributos. Se assim é, a atribuição à Assem- bleia da República de competência reservada não pode significar apenas que ao Governo está vedado esta- belecer, sem autorização, o regime geral das contribuições financeiras. Significa sobretudo que a criação e a fixação do regime, por via governamental, de cada um dos tributos desta espécie deverá ter em linha de conta e amoldar-se às regras gerais de enquadramento previamente definidas, a nível parlamentar. A disposição constitucional não pode ser interpretada como contendo um “programa condicional” (para utilizar um conceito de Luhmann), no sentido de que não obrigaria à emissão de um ato legislativo parlamentar, como condicionante da posterior criação de contribuições financeiras, apenas prevendo que, se houver intenção de estabelecer um regime geral, deverá ter-se em conta a reserva de competência. Não pode ser assim, pois o que está unitariamente em causa, em ambos os segmentos da norma constitucional, é a projeção habilitante de um prévio controlo parlamentar sobre os atos concretos de tributação. O que muda é apenas a forma de realização e a intensidade, não o objetivo tutelador. Deste modo, pretender que a persistência da omissão legislativa em editar o regime geral faculta a criação livre e incondicionada de contribuições financeiras, por meio de diploma governamental, subverte inteiramente o alcance garantístico que a reserva iniludivelmente possui. Não ignoro que atribuir efeito inibitório à inércia da assembleia legislativa em promulgar o regime geral destes tributos pode, em certos domínios regulatórios, causar sérias dificuldades a um aparelho administrativo moderno e eficaz. Mas, por um lado, isso deve valer como um incentivo suplementar à atuação legislativa, em conformidade com a reserva, não podendo exclusivas razões pragmáticas sobrepor-se a claras determinações
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