TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos de contraordenação em que é arguida A., S. A., o Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco aplicou-lhe a coima de € 1 323, por ter introduzido no consumo produtos de tabaco manufatu- rado em quantidades superiores às previstas no n.º 6 do artigo 86.º do Código dos Impostos Especiais do Consumo (CIEC), na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 155/2005, de 8 de setembro, infração que está prevista e punida na alínea p) do n.º 2 do artigo 109.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT). A arguida impugnou essa decisão junto do Tribunal Tributário de Lisboa, o qual, por sentença de 24 de junho de 2013, recusou aplicar a norma constante do n.º 6 do artigo 86.º do CIEC, na redação por aquele decreto-lei, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, fundada na falta de autorização legislativa expressa da Assembleia da República, e em inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 61.º, n.º 1, 17.º, 18.º, n.º 2, e 81.º, alínea e) , da Constituição da República Portuguesa (CRP), anulando a decisão impugnada com a consequente absolvição da arguida. Nessa decisão, no que respeita à questão de constitucionalidade suscitada no presente recurso, o Tribu- nal afirmou o seguinte: «(...) Na verdade, até à publicação do Decreto-Lei n.º 155/2005, a introdução dos tabacos manufaturados no con- sumo assume particular relevância no âmbito da gestão da vida económica da empresa, como supra se referiu, era deixada ao critério de operadores económicos, de acordo com a conveniência e necessidade da sua gestão comercial. Foi só com a entrada em vigor do n.º 6 do artigo 86.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, na redação dada pelo mencionado Decreto-Lei n.º 155/2005, é que tal decisão ficou indelevelmente condicionada a uma calendarização consideravelmente rígida, subordinada aos interesses da Fazenda Pública. Mais: com a redação do preceito à altura em que foi instaurado o presente procedimento contraordenacional, as quantidades de cada marca de tabaco introduzidas no consumo em qualquer mês do ano não poderiam exceder a média das respetivas introduções no consumo no ano anterior. Isto é: aplicando-se ao longo de todo o ano e não apenas nos últimos meses do calendário, o n.º 6 do artigo 86.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Con- sumo de 1999, com a redação resultante do Decreto-Lei n.º 155/2005, coartava, em grande medida, os operadores do setor de reagir a picos sazonais de procura. E com esta redação, o Estado substituiu-se aos operadores privados em decisões particularmente relevantes da gestão comercial respetiva, fixando logo à partida a taxa de evolução global do mercado, restringindo o crescimento de novas marcas e obrigando os operadores a manter estabilizados os stocks e vendas ao longo do ano num mercado não alheio a consideráveis variações sazonais. Acompanha-se, a este propósito, o entendimento perfilhado pelo Professor Doutor Sérgio Vasques, no parecer junto aos autos, posição, já defendida pelo mesmo Autor e por António Moura Portugal, num artigo publicado na Revista de Finanças Públicas e de Direito Fiscal, do Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa, ano II, n.º 4, Almedina, pp. 121/145, onde se lê: «Se a livre iniciativa económica se traduz essencialmente na faculdade de decidir o que produzir, como produzir e quanto produzir, parece evidente que o regime de condicionamento trazido pelo Decreto-Lei n.º 155/2005 produz restrições do maior relevo ao exercício deste direito fundamental e restrições para as quais não se encontra noutros setores económicos paralelo fácil. (...)». E não se vê que tal condicionamento seja conforme aos comandos constitucionais. Desde logo porque só se podem considerar legítimas as restrições num quadro de ponderação de interesse axiológico prevalecente em con- creto, isto é: o direito de liberdade económica não foi, no caso dos autos, afetado em favor de princípios de especial dignidade constitucional, como a saúde pública. Por outro lado, ainda que se reconhecesse dignidade suficiente ao propósito declarado (maximização de receita fiscal) – sendo certo que tal escopo não merece tamanha dignidade,
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