TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

333 acórdão n.º 545/15 mesmo em tempos de vicissitudes próprias de crise orçamental (ou, até mesmo, sobretudo em tais circunstâncias) –, não se lobriga a observância de necessidade, adequação e proporcionalidade. Com efeito, o direto condiciona- mento legal da oferta e da procura não é o meio necessário para potenciar a receita fiscal no mercado. Nem será seguramente o meio adequado a tal desiderato, num mercado em que os agravamentos bruscos da carga fiscal tendem a alimentar a fraude e o contrabando. E a violação da proporcionalidade s.s., na sua vertente da proibição do excesso, «(…) é manifesta também, não se podendo admitir que a maximização da receita fiscal justifique uma agressão tão intensa da liberdade de gestão das empresas do setor dos tabacos, (...)», como refere Sérgio Vasques no parecer já citado. Acresce ainda, por importante, que ao fixar uma taxa de crescimento máximo anual de 30% para qualquer marca de tabacos no mercado português (porque é isso que, ao cabo e ao resto, em bom rigor, é logrado pelo pre- ceito ora analisado) – mais ainda aplicada ao longo da integralidade do ano económico –, o legislador acaba por contribuir para a cristalização das quotas de mercado previamente existentes, e, por essa via, vedar aos operadores económicos de menor dimensão e expressão o lançamento e promoção, com sucesso, das respetivas marcas, fomen- tando, ainda que involuntariamente, a formação de estruturas monopolistas. E este efeito da norma em análise contraria frontalmente o disposto na alínea e) do artigo 81.º da Constituição da República Portuguesa, que atribui ao Estado a tarefa de «(...) assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posi- ção dominante e outras práticas lesivas do interesse geral». Assim se conclui que a norma do n.º 6 do artigo 86.º do CIEC, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 155/2005 é materialmente inconstitucional. Mas, também, formalmente, tal norma é inconstitucional. Na alínea i) do n.º 1 artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa estabelece-se (e estabelecia-se em 2005, data da emissão do Decreto-Lei n.º 155/2005, de 8 de setembro) a reserva de lei parlamentar no que tange à criação de impostos e à disciplina do sistema fiscal, admitindo embora a hipótese de autorização legislativa ao Governo nesta matéria. Em conformidade, também o n.º 2 do artigo 103.º da Lei Fundamental dispõe que «Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.» Assim, quer o facto gerador, quer o critério de exigibilidade dos IEC, têm que ser disciplinados por lei parla- mentar, ou, quando muito, por decreto-lei mediante autorização legislativa expressa da Assembleia da República. Quanto à incidência, a disciplina genérica e transversal aos impostos especiais sobre o consumo constava já dos artigos 6.º e 7.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo de 1999, acolhendo regras rigorosamente uniformizadas pela Diretiva Horizontal (e reiteradas pela atual Diretiva n.º 2008/118/CE). Ora, se no artigo 7.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo o legislador definiu, como regra geral respeitante a todos os impostos especiais de consumo, o momento a partir do qual os mesmos se tornavam exigíveis em território nacional pela administração aduaneira, correspondendo tal exigibilidade ao momento de introdução em consumo – como era, de resto, imposto pela Diretiva Horizontal –, idêntica disciplina tem de considerar-se aplicável para as regras especiais de introdução no consumo respeitantes ao imposto sobre o tabaco, que originaria- mente figuravam no artigo 86.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo de 1999. Vale isto por dizer que ao estabelecer por mero Decreto-Lei um critério de exigibilidade do imposto, sem autorização legislativa expressa por parte da Assembleia da República, nomeadamente precedendo eventual animus habilitandi constante da própria Lei do Orçamento do Estado, o legislador atuou em violação da reserva de lei parlamentar prevista na alínea i) do n.º 1 artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. Como escreve o Professor Vieira de Andrade, o juiz pode não só desaplicar norma inconstitucional, como pode e deve aplicar diretamente norma da Constituição da República Portuguesa, e tem ainda o poder-dever de interpretar as normas de direito constituído em conformidade com a Constituição. Tudo visto e ponderado, julga-se que a norma constante do n.º 6 do artigo 86.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo de 1999, com a redação constante do Decreto-Lei n.º 155/2005, padece de inconstitu- cionalidade material, por violação da liberdade de iniciativa económica através de disposição legal sem observância dos requisitos de necessidade, adequação e proporcionalidade (artigos 61.º, n.º 1, 17.º e 128.º), por violação do

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