TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

335 acórdão n.º 545/15 4. O artigo 86.º n.º 6 do CIEC altera o significado da definição legal do artigo 7.º n.º 1 do CIEC, de tal modo que o critério de exigibilidade do imposto (a introdução no consumo) perde as suas caraterísticas prototípicas para passar a ter um conteúdo distinto daquele que a lei erigiu, porquanto, excedido um determinado limite (que o artigo 7.º do CIEC não previa e que só o artigo 86.º n.º 6 CIEC impõe) a introdução no consumo (enquanto critério de exigibilidade do imposto) passa a ser proibida. 5. O condicionamento (quantitativo) do significado do conceito de “introdução no consumo”, sendo este o critério da exigibilidade do imposto, por decreto-lei não autorizado, constitui manifesta inconstitucionalidade orgânica por violação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) , e 103.º, n.º 2, da Constituição. 6. A limitação quantitativa de introdução no consumo criada pelo artigo 86.º n.º 6 CIEC constitui uma restri- ção à liberdade de iniciativa económica privada prevista no artigo 61.º n.º 1 CIEC, enquanto direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias. 7. A restrição da liberdade de iniciativa económica privada operada pelo artigo 86.º n.º 6 CIEC viola os ter- mos da cláusula de restrição de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 18.º n.º 2 da CRP porquanto não respeita a exigência de que a restrição se limite ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 8. A recorrida não deteta nenhum direito ou interesse constitucionalmente protegido que possa colidir com a liberdade de iniciativa económica privada e que justifique a restrição: a mera conveniência da Administração Tributária em ter a receita fiscal estratificada e dividida pelos doze meses do ano não é direito ou interesse consti- tucionalmente protegido que possa ser ponderado em paridade com a liberdade de iniciativa económica privada. 9. Os interesses constitucionalmente protegidos que o MP entende serem justificativos da restrição da liber- dade de iniciativa económica privada no presente caso são: (i) o “interesse de assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas” e (ii) o “dever fundamental de pagar impostos, nos termos legais e em condições de igualdade entre todos os operadores económicos, em ordem a satisfazer necessidades financeiras públicas para assim prover às necessidades e ao bem-estar coletivo” mas, na verdade, nenhum desses interesses é adequadamente prosseguido pelo artigo 86.º n.º 6 do CIEC. 10. Quanto ao interesse de “assegurar o funcionamento eficiente dos mercados e garantir a equilibrada concor- rência”, aquilo que a norma do artigo 86.º n.º 6 do CIEC implica é exatamente o contrário, porquanto é evidente que o condicionamento das quantidades mensais de introduções no consumo (impondo uma limitação quanti- tativa das introduções no consumo que cada agente pode fazer em cada mês) tem apenas como consequência o inverso do que o MP alega, determinando afinal: (i) a estratificação e repartição dos mercados, (ii) a manutenção das quotas de mercado já obtidas pelos operadores existentes no mercado, (iii) a criação de um obstáculo adicional a que os concorrentes minoritários possam fazer introduções no consumo extraordinárias respondendo à procura em função de eventos ou circunstâncias concretas que lhes permitiria ganhar quota de mercado e criar fidelidade à marca, (iv) a limitação da distribuição dos produtos de tabaco. 11. Por isso, nunca poderia justificar-se uma restrição da liberdade de iniciativa económica privada como a que consta do artigo 86.º n.º 6 do CIEC com um alegado “interesse em assegurar o funcionamento eficiente dos mercados”, pois a existência do limite à introdução no consumo é, em si mesma, uma medida que desequilibra a concorrência, promove o abuso de posição dominante (num mercado que, aliás, é altamente concentrado) e destrói a eficiência do mercado livre não evitando qualquer distorção de concorrência mas ao invés criando, isso sim, uma restrição da concorrência ao impor a estratificação do mercado em função de “desempenhos históricos”. 12. Quanto ao interesse em “evitar práticas lesivas do Estado” invocado pelo MP para justificar a restrição à liberdade de iniciativa económica privada, tal justificação não pode sobrepor-se aos interesses legítimos e constitu- cionalmente protegidos dos agentes económicos privados no sentido da conformação livre do modo de gestão da sua atividade comercial, já que a introdução no consumo de produtos, em quantidade superior ao montante de majoração de 30% definido pela lei relativamente ao ano transato, não revela imediata e inequivocamente qualquer tipo de intuito fiscal fraudulento, mas tão somente uma adequação racional da oferta à procura, como ditam as boas regras de funcionamento eficiente dos mercados.

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