TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
341 acórdão n.º 545/15 que aquela regra constitui uma medida restritiva de «direitos, liberdades e garantias» que está sujeita ao regime específico do artigo 18.º da CRP. E assim será caso se reconheça que o regime de condicionamento toca no núcleo essencial do direito de livre iniciativa económica privada consagrado no n.º 1 do artigo 61.º da CRP. É consensual na doutrina e na jurisprudência constitucional que o direito de livre iniciativa económica, apesar de sistematicamente inserido no Título III da Parte I, respeitante aos direitos, deveres económicos, sociais e culturais, tem uma certa dimensão de liberdade radicada na dignidade da pessoa humana que justi- fica a sua qualificação como direito, liberdade e garantia de natureza análoga. Essa dimensão subjetiva, que é reflexo do direito geral de personalidade na atividade de produção e distribuição de bens e serviços, expresso nos princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual, ainda mais se acentuou com a revisão constitucional de 1997, quando aquele direito subjetivo foi autonomizado da garantia institucional da livre iniciativa económica prevista na alínea c) do artigo 80.º. O reconhecimento de que certas vertentes do direito de iniciativa económica privada têm analogia com os direitos, liberdades e garantias enunciados no Titulo II implica que, por força da norma do artigo 17.º da CRP, lhes sejam aplicadas as disposições constitucionais que se referem a esses direitos. Mas se è pacífica a aplicabilidade do regime material dos direitos, liberdades e garantias aos direitos análogos, o mesmo não se passa quanto ao regime orgânico-formal, nomeadamente o relativo à reserva de lei parlamentar [alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º] e ao âmbito da reserva de lei em geral (n.º 2 do artigo 18.º). Como é sabido, a determi- nação do sentido e alcance dos artigos 17.º e 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP, que literalmente abrangem toda a matéria referente a «direitos liberdades e garantias», originou entendimentos diversos quanto à aplicação do regime orgânico aos direitos de natureza análoga, uns no sentido da sua aplicação e outros a sustentar a exclusão desse regime (sobre a controvérsia, cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Vol. I, p. 375). Seja como for, a jurisprudência consolidada deste Tribunal sobre esta questão, incluindo a que se refere ao direito de iniciativa económica privada, segue uma posição intermédia que distingue as normas relativas ao núcleo essencial do direito fundamental, a que se aplica analogicamente a reserva de lei parlamentar, das normas relativas as aspetos ou áreas marginais, de menor relevância, relativamente às quais não se justifica a intervenção parlamentar. A extensão máxima da reserva de competência parlamentar ínsita na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º abrange também os direitos análogos do artigo 17.º, quando o conteúdo concreto da norma incide sobre o núcleo essencial do direito fundamental (cfr. Acórdãos n. os 371/91, 329/99, 187/01, 289/04, 358/05, 14/09, 793/13 e 75/13). No que se respeita à aplicabilidade do regime orgânico-formal dos direitos, liberdades e garantias ao direito de livre iniciativa económica, refere-se no Acórdão n.º 75/13 o seguinte: «Tem sido reiteradamente afirmado que a mera inserção do artigo 61.º no Título relativo a “direitos, sociais e económicos” não o priva de uma certa dimensão de “direito à não intervenção estadual”, que é típica dos “direi- tos, liberdades e garantias” (cfr. Acórdãos n.º 187/01 e n.º 304/10). Não se trata, portanto, de um mero “direito à atuação estadual”, mas antes de um direito que, em certa medida, exige que o Estado (e os demais poderes públicos) se abstenha(m) de o colocar em causa, mediante intervenções desrazoáveis ou injustificadas. Tal direito fundamental compreende, em si mesmo, uma “vertente decisório/impulsiva”, que resulta na faculdade de formação da vontade de prosseguir determinada atividade económica e de lhe dar início, e uma “vertente organizativa”, que pressupõe a liberdade de determinar o modo de organização e de funcionamento da referida atividade económica (cfr. Acórdãos n.º 358/05 e n.º 304/10). Porém, a verificação de que o “direito à livre iniciativa privada” partilha de algumas características dos “direitos, liberdades e garantias” não significa que todo o respetivo conteúdo normativo possa beneficiar da integralidade daquele específico regime constitucional. Para tanto, imperioso se torna que seja possível extrair do conteúdo daquele direito um “conteúdo essencial” que corresponda à “dimensão negativa” dos “direitos de liberdade”. Dito de outro modo, só a parcela do “direito à livre iniciativa privada” que corresponda a um dever de abstenção do
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