TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

342 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Estado face àquela livre conformação do indivíduo (ou da pessoa coletiva) é que beneficia do regime específico dos “direitos, liberdades e garantias”, ficando assim sujeito à reserva legislativa parlamentar fixada pela alínea  b) do n.º 1 do artigo 165.º, da CRP». Note-se todavia que, segundo o critério jurisprudencial, a extensão da reserva parlamentar aos direitos fundamentais análogos é determinada mais pela essencialidade do conteúdo jusfundamental da norma do que pela determinabilidade constitucional do direito. Como refere Vieira de Andrade «a reserva orgânica do Parlamento não é, em si, uma exigência decorrente da determinabilidade dos direitos, mas sim da sua maior proximidade valorativa ao núcleo essencial da dignidade da pessoa humana» (cfr. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 5.ª edição p. 187, nota 62). Ora, no direito à iniciativa económica privada, apesar da elasticidade do respetivo conteúdo, a proximi- dade valorativa situa-se sobretudo no momento da escolha e acesso à atividade económica. Com efeito, de entre as várias vertentes da liberdade de empresa protegidas pelo n.º 1 do artigo 61.º da CRP, a que se situa no domínio da defesa e proteção da dignidade da pessoa humana é a liberdade de fundar uma empresa e a liberdade de aceder ao mercado. Tal como na liberdade de profissão – artigo 47.º, n.º 1, da CRP – a liber- dade de iniciar uma atividade económica sem obstáculos desrazoáveis ou injustificados dos poderes públicos é a que mais se funda na dignidade da pessoa humana, enquanto ser livre e autónomo. Essa é a dimensão que, nos quadros definidos pela Constituição, integra a “conteúdo essencial” do direito de livre iniciativa económica privada. Daí que a fixação de limitações objetivas e subjetivas à liberdade de criação ou fundação de uma organização produtiva privada tenha que se cingir ao necessário para salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, não podendo em caso algum aniquilar ou diminuir a sua extensão e alcance (artigo 18.º, n.º 2 e 3, da CRP). Enquanto liberdade essencialmente «negativa» e de defesa, bene- ficia da analogia substantiva com os direitos, liberdades e garantias pessoais, que a coloca necessariamente a coberto da reserva de lei parlamentar. O mesmo já não se verifica quando o conteúdo da norma respeita ao momento do exercício da atividade económica, outra das vertentes em que se pode desdobrar a liberdade de iniciativa económica protegida no n.º 1 do artigo 61.º. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira «a liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma atividade económica (liberdade de criação de empresa, liberdade de investimento, liberdade de estabelecimento) e, por outro lado, na liberdade de organização, gestão e atividade de empresa (liberdade de empresa, liberdade do empresário, liberdade empresarial). No primeiro sentido, trata-se de um direito pessoal (a exercer individual ou coletivamente); no segundo sentido é um direito institucional (um direito da empresa em si mesma)» (cfr. ob. cit. p. 790).  Nesta última dimensão, em que já não está em causa a existência da empresa e o seu acesso ao mercado, mas apenas o exercício de uma atividade, o bem jurídico que a liberdade de empresa visa proteger é a reali- dade institucional constituída – a empresa – e não tanto a liberdade pessoal ou individual de quem a criou. A menor liberdade de empresa quanto às condições e modo de exercício das atividades económicas privadas é reconhecida pela Constituição quando, na parte final do n.º 1 do artigo 61.º, a coloca sob reserva do «inte- resse geral». Mesmo que se defenda que este conceito indeterminado só autoriza a ponderação da liberdade de empresa com outros bens constitucionais (e não também com bens infraconstitucionais), o certo é que as amplas restrições ao exercício da atividade económica legitimadas por essa cláusula não assumem a mesma relevância jusfundamental que as restrições ao acesso à atividade económica, por nelas não se projetar com a mesma intensidade o valor da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, considera certa doutrina que apenas no domínio «de maior restrição do direito em causa, e que identificamos com as restrições à escolha ou acesso, está necessariamente abrangido pela reserva de lei (e lei parlamentar), estando as meras restrições ao exercício (e portanto de menor restrição do direito) dispensadas de tal reserva» (cfr. João Pacheco de Amo- rim, in Direito Administrativo da Economia, Almedina, 2014, p. 451). Ora, no caso em apreço no presente processo, a norma do n.º 6 do artigo 68.º do CIEC tem um con- teúdo que afeta o exercício da atividade dos operadores económicos do setor do tabaco, condicionando as

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