TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
344 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O primeiro argumento convoca a questão dos limites da intervenção do legislador prevista no n.º 1 do artigo 61.º da CRP: «A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral». Neste preceito, a Constituição deixa ao legislador uma ampla margem de liberdade na delimitação e configuração do direito de livre iniciativa económica. O direito está consagrado como um direito de defesa contra o Estado, na medida em que pode ser exercido «livremente», mas esse exercício só se pode efetuar «nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral», abrindo-se assim espaço para uma maior ou menor limitação ou restrição legal do direito fundamental. Como se refere no Acórdão n.º 304/10, «o legislador constituinte, ao reconhecer tal liberdade, o fez sob uma tripla reserva: sob reserva do sistema constitucional no seu conjunto; sob reserva das decisões que, a seu propósito, tome o legislador ordinário; sob reserva daquilo a que chamou “o interesse geral”». O preceito constitucional não é, porém, suficientemente preciso quanto ao alcance da remissão que faz para a lei da definição dos quadros em que pode ser exercida a liberdade de iniciativa económica privada. Para além do conteúdo mínimo do direito, não decorre daquele preceito constitucional um critério preciso que permita determinar qual o conteúdo do direito que está constitucionalmente garantido e quais os limites que decorrem daquela tripla reserva. Perante tal indefinição, pode questionar-se se a lei definidora daqueles quadros deve ser considerada uma lei conformadora ou uma lei harmonizadora ou restritiva do conteúdo daquele direito (cfr. Vasco Moura Ramos, “O Direito fundamental à iniciativa económica privada (artigo 61.º da CRP): Termos da sua consagração no direito constitucional português”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , Vol. LXXVII, pp. 833 e segs.). Mas, independentemente da resposta que essa questão possa ter, o certo é que do n.º 1 do artigo 61.º da CRP resulta que a liberdade de empresa está funcionalizada à satisfação do «interesse geral». Significa isto que o legislador também está autorizado a restringir o exercício de uma atividade económica para proteção de valores e interesses relevantes da vida em comunidade. Por conseguinte, ainda que se entenda que a den- sificarão do conceito indeterminado “interesse geral” tenha que ser efetuada com recurso a «determinantes heterónimas fornecidas pela própria lei fundamental» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. p. 791), continua a ser extensa a margem de liberdade que o legislador ordinário dispõe para limitar ou restringir a liberdade de empresa com base na invocação desse interesse, especialmente no que respeita ao momento do seu exercício. Ora, a regra de condicionamento estabelecida no n.º 6 do artigo 86.º do CIEC releva de um interesse que tem a cobertura de princípios e valores constitucionais em matéria orçamental. Como já foi referido, a razão de ser daquele regime de condicionamento foi evitar que os operadores económicos antecipem, no final de cada ano, os agravamentos do imposto sobe o tabaco eventualmente anunciados pelas leis do orça- mento. Essa prática era “lesiva das receitas do Estado”, pois impedia a cobrança do montante de receitas de imposto sobre o consumo de tabaco que foram previsionais no Orçamento do Estado. De facto, sendo a taxa de imposto fixada no momento da introdução no consumo do tabaco, a antecipação desse momento evita a aplicação das novas taxas, com a consequente diminuição das liquidações e cobranças no ano económico seguinte. Naturalmente que este efeito tem reflexos diretos na execução do orçamento de receitas e no obje- tivo da estabilidade orçamental. Não obstante a Constituição se limitar a dizer no n.º 4 do artigo 105.º que as receitas previstas não devem ser inferiores às despesas orçamentadas, o equilíbrio orçamental é acolhido expressamente como uma regra de grande relevância na «constituição orçamental». Se existe alguma falta de preocupação constitucio- nal com o equilíbrio orçamental, então, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, a mesma tem de ser «suprida pela constituição financeira da UE que impõe claramente o equilíbrio orçamental». De facto, o equilíbrio orçamental é um princípio fundamental do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), estando os Estados membros obrigados a respeitar as regras de disciplina orçamental nele estabelecidas, especialmente a que fixa em 3% o défice orçamental, assim como a submeter à Comissão Europeia os seus programas de estabilidade e crescimento. De modo que, «prevalecendo o direito da UE sobre o direito nacional, que aliás
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