TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
352 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 5. Da norma contida no artigo 103.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, se interpretada no sentido de o elenco de hipóteses de urgência aí previstas não ser taxativo. 6. Pois que tal interpretação redundaria na consagração de um poder quase absolutamente discricionário ao juiz na atribuição de caráter urgente aos processos, e consequentemente na total imprevisibilidade, para os sujeitos processuais ( maxime , os arguidos), do regime aplicável aos prazos previstos no CPP para a prática dos atos a que os mesmos têm direito. 7. Ora, o despacho da 8.a Vara Criminal de Lisboa datado de 28.7.2014, declarando a urgência do presente processo, determinou que corresse em férias o prazo para apresentação de resposta a um recurso, apesar de este ato não poder ser incluído em qualquer uma das alíneas previstas no referido artigo 103.º, n.º 2, e muito menos no elenco de atos previstos nas alíneas a) a e) , que são, de acordo com o artigo 104.º, n.º 2, do mesmo Código, os únicos cujo prazo corre em férias. 8. Violando, assim, os princípios da confiança e da segurança jurídica, ambos vertidos na Constituição da República Portuguesa, mais especificamente nos seus artigos 1.º a 3.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1 a 3 e 5. 9. As referidas inconstitucionalidades foram devidamente suscitadas perante o tribunal a quo, nos pontos 18 a 40 da motivação e 5.º a 14.º das conclusões do recurso então interposto (do despacho datado de 28 de julho de 2014 e daquele que o confirmou, datado de 5 de agosto de 2014). 10. E por este apreciadas a páginas 9 a 11 do aresto recorrido no sentido da sua constitucionalidade, alegando que “a alínea f ) [do artigo 103.º, n.º 2] é uma norma de caráter residual, de modo a abarcar todas as situações não previstas nas alíneas anteriores em que se justifique que o ato a praticar assuma caráter urgente”, que a ausência de menção à mesma no artigo 104.º, n.º 2 é “inócua” e que “os despachos recorridos não consubstanciaram qualquer diminuição das garantias de defesa dos arguidos”. Termos em que, por terem sido aplicadas normas cuja interpretação é, in casu , patentemente violadora do disposto na Lei Fundamental, e tendo sido tal conjunto de vícios de inconstitucionalidade devidamente suscitado pelo ora recorrente no recurso por si interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, sendo este parte legítima e interessada e o recurso ora interposto legal e tempestivo, se requer a sua admissão, para fiscalização da concreta constitucionalidade, seguindo-se os demais termos até final.» O recorrente apresentou alegações, culminando as mesmas com a formulação das seguintes conclusões: «I. É inconstitucional a norma extraída dos artigos 103.º, n.º 2, alínea f ) , e 104.º, n.º 1 e 2, do Código de Pro- cesso Penal, se interpretada no sentido de permitir que seja declarada urgência relativamente a um processo no qual a audiência de discussão e julgamento já foi realizada e já terminou, determinando o caráter urgente dos prazos processuais aplicáveis aos atos a praticar pelos sujeitos processuais. II. É inconstitucional a norma contida no artigo 103.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, se interpretada no sentido de o elenco de hipóteses de urgência aí previstas não ser taxativo. III. Ambas as interpretações são reputadas inconstitucionais por violação dos princípios da confiança e da segu- rança jurídica, assim como o da igualdade, todos vertidos na Constituição da República Portuguesa, mais especificamente nos seus artigos 1.º a 3.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1 a 3 e 5. IV. A 8.ª Vara Criminal de Lisboa invocou expressamente os artigos 103.º, n.º 2, alínea f ) , e 104.º, do CPP para justificar uma declaração genérica de urgência referente a todo o processo-crime, determinando que corressem em férias os prazos para a prática de atos por parte dos sujeitos processuais: este entendimento foi validado pelo Tribunal a quo. V. Ora, o artigo 103.º, n.º 2, alínea f ) , do CPP refere-se apenas a “atos de mero expediente” e a “decisões das autoridades judiciais”. Da mesma forma, o artigo 104.º, n.º 2, do CPP só é aplicável às alíneas a) a e) do artigo anterior. VI. O que foi reconhecido em sede de reclamação. Porém, nesse momento foi então aduzida uma justificação nova, também ela validada e utilizada pelo Tribunal a quo: à alínea f ) foi atribuído um “caráter residual” e a respetiva exclusão do artigo 104.º foi declarada “inócua”.
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