TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

354 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acrescenta ainda que, na apreciação do recurso por si interposto relativamente a tal decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que «a alínea f ) [do artigo 103.º, n.º 2] é uma norma de caráter residual, de modo a abarcar todas as situações não previstas nas alíneas anteriores em que se justifique que o ato assuma caráter urgente». Conforme resulta do próprio requerimento de interposição de recurso e é confirmado pela leitura da decisão recorrida, não há coincidência entre a interpretação normativa que o recorrente indicou como objeto do recurso e a que foi adotada pela decisão recorrida. Pela leitura da decisão recorrida constata-se que a mesma, ao apreciar a invocada insuficiência de funda- mentação da decisão da 1.ª instância, entendeu, além do mais, que esta decisão indicou o artigo 103.º, n.º 2, alínea f ), como norma jurídica em que se baseou para conferir caráter urgente aos autos. Considerou ainda a decisão recorrida que, no caso, se mostrava verificado o requisito da necessidade a que alude a referida alínea f ) . Finalmente, apreciando a alegação do recorrente no sentido de as hipóteses vertidas no artigo 103.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, serem taxativas e de ser manifesto que inexiste quadro legal que admita a decisão proferida, a decisão recorrida sustentou que «a alínea f ) é uma norma de caráter residual, de modo a abarcar todas as situações não previstas nas alíneas anteriores em que se justifique que o ato assuma caráter urgente». Ou seja, a decisão recorrida não interpretou a norma contida no artigo 103.º, n.º 2, do Código de Pro- cesso Penal, no sentido de o elenco de hipóteses de urgência aí previstas não ser taxativo, o mesmo é dizer, não interpretou a aludida norma no sentido de ser possível conferir caráter urgente aos autos mesmo que não estejam preenchidas as hipóteses previstas em qualquer das alíneas da referida norma (cujo elenco, seria, assim, meramente exemplificativo). O que a decisão recorrida entendeu é que era possível, no caso concreto, com base na alínea f ) do n.º 2 do referido artigo 103.º, conferir natureza urgente aos autos, uma vez que se mostrava verificado o requisito da “necessidade” previsto nesta norma e que, quanto aos atos abrangidos, a mencionada norma tem caráter residual «de modo a abarcar todas as situações não previstas nas alíneas anteriores em que se justifique que o ato assuma caráter urgente». Esta falta de coincidência entre o entendimento do tribunal a quo e a questão normativa indicada pelo recorrente como objeto do recurso não se reconduz a uma simples diferença de formulação da mesma questão: o recorrente indica como objeto do recurso o n.º 2 do artigo 103.º, sustentando que tal norma foi interpretada no sentido de o elenco de hipóteses de urgência aí previstas não ser taxativo; a decisão recor- rida, afastando essa ideia, reconduz a hipótese dos autos à verificação dos requisitos previstos na alínea f ) do referido n.º 2 e, no que respeita a um desses requisitos (os atos abrangidos), considera que na previsão da norma se abarcam «todas as situações não previstas nas alíneas anteriores em que se justifique que o ato assuma caráter urgente». Dir-se-á que as formulações são próximas e que, com a questão enunciada, o recorrente pretende refe- rir-se, não ao conjunto dos requisitos previstos em cada uma das alíneas do n.º 2 do artigo 103.º, mas apenas aos atos processuais elencados nessas alíneas. Ainda que assim seja, tal sentido não se encontra expresso na interpretação normativa indicada pelo recorrente, ao que acresce a circunstância de, nessa hipótese, a inter- pretação normativa respeitar apenas à alínea f ) do n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, o que também não se encontra expresso no requerimento de interposição de recurso. Como é sabido, o Tribunal Constitucional aprecia a conformidade de normas ou de critérios normati- vos com os parâmetros constitucionais, tendo a sua fiscalização como objeto normas jurídicas e não concretas decisões judiciais. De acordo com o princípio do pedido, aplicável, com especificidades próprias, nos processos de fisca- lização concreta da constitucionalidade, é ao recorrente que compete a enunciação e fixação da norma que pretende sindicar, não sendo o próprio Tribunal a estabelecer as fronteiras dos seus poderes de cognição. Ora, no caso concreto, estando-se não só perante enunciados distintos da questão de constitucionali- dade, mas também, como vimos, perante normas diferentes, são também diferentes os objetos de fiscaliza- ção, sendo esta circunstância decisiva no plano dos pressupostos de admissão do recurso.

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