TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
356 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por sua vez, o artigo 104.º do CPP, com a epígrafe «Contagem dos prazos de atos processuais» tem o seguinte teor: «1 – Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de atos processuais as disposições da lei do processo civil. 2 – Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os atos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo anterior.». Sendo este o teor dos preceitos legais dos quais se extrai a interpretação normativa questionada, importa referir que o recorrente, nas suas alegações, embora sustentando que a referida interpretação normativa é inconstitucional, apresentou também diversos argumentos no sentido de demonstrar que as normas em causa foram incorretamente interpretadas pelo tribunal recorrido. Não competindo a este Tribunal apreciar da correção de tal interpretação, importa apenas analisar se a mesma se revela desconforme com a Constituição, tendo em atenção os parâmetros cuja violação o recor- rente alega ter ocorrido. 2.1. Da violação do princípio da tutela da confiança Segundo o recorrente, a interpretação normativa dos artigos 103.º, n.º 2, alínea f ) , e 104.º, n. os 1 e 2, do Código de Processo Penal, no sentido de permitir que seja declarada urgência relativamente a um processo no qual a audiência de discussão e julgamento já foi realizada e já terminou, determinando o caráter urgente dos prazos processuais aplicáveis aos atos a praticar pelos sujeitos processuais é violadora do princípio da segurança jurídica ou do princípio da proteção da confiança. O recorrente sustenta nas suas alegações que a violação dos aludidos princípios decorre da circuns- tância de a referida interpretação contrariar «flagrantemente a lei, potenciando decisões inesperadas (…) e conferindo ao juiz um poder quase absolutamente discricionário que não é compatível com as exigências mínimas de segurança e de previsibilidade que devem informar todo o processo penal». E, nas conclusões das alegações, reitera esta ideia, referindo que o tal entendimento normativo ignora «ostensivamente as opções tomadas pelo legislador, e também pelo legislador constitucional, conferindo ao juiz um poder quase discri- cionário que não é compatível com as exigências mínimas de segurança e previsibilidade que devem informar todo o processo penal» [conclusão IX]. Como é sabido, a tutela constitucional da confiança emana do princípio do Estado de direito consa- grado no artigo 2.º da Constituição. A garantia de segurança jurídica traduz-se, no plano subjetivo, na ideia de proteção da confiança dos particulares relativamente à estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes, proteção essa que vale em relação as todas as áreas de atuação estadual, mediante exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, particularmente, ao legislador. O Tribunal Constitucional já se pronunciou variadíssimas vezes sobre o princípio da proteção da con- fiança, importando ter presente a sua jurisprudência nesta matéria. No que respeita ao seu enunciado geral, o Tribunal tem afirmado reiteradamente que o princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», concluindo que «a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva, àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela Lei Básica» (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 303/90, acessível na Internet em www.tribunalconstitucional.pt , tal como os restantes acórdãos que a seguir se referem sem outra menção). Ou seja, acentua-se que este princípio tem pressuposta a ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado, o que implica a
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