TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

357 acórdão n.º 569/15 garantia de um mínimo de certeza e de segurança das pessoas quanto aos direitos e às expectativas que lhes tenham sido juridicamente criadas. O Tribunal procurou também concretizar o conteúdo do princípio da proteção da confiança, tendo-se escrito no Acórdão n.º 128/09: “Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comporta- mento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. Este princípio postula, pois, uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação do Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui proteção.” No caso dos autos, não está em causa qualquer alteração da ordem jurídica, mas apenas uma decisão judicial que, invocando um determinado conjunto de preceitos do direito infraconstitucional tidos como aplicáveis ao caso, considerou que o processo em questão deveria ser qualificado como de natureza urgente. Segundo o recorrente, a violação dos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica decorre da circunstância de o tribunal a quo, ao aplicar as referidas normas, com a interpretação que lhes foi dada, ter dado lugar a uma «aplicação imprevista, inusitada e inesperada, contra o teor literal dos referidos preceitos, de um regime de prazo que corre em férias judiciais». Ou seja, o recorrente entenderá que, face ao regime aplicável aos processos urgentes, o processo em questão não poderia ser qualificado como tal e que a interpretação dada pela decisão da 1.ª instância e, posteriormente, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, contraria essa sua expectativa. O Tribunal Constitucional ( v. g., Acórdãos n. os  213/12 e 620/13) já admitiu que a verificação de uma contradição flagrante entre uma interpretação da lei surpreendente e imprevisível e a própria lei que defrauda as expectativas do cidadão que recorreu a um processo judicial confiante numa aplicação correta das regras processuais que a lei consagrava pode justificar uma censura constitucional, por violação do direito a um processo equitativo ou mesmo da tutela da confiança. No entanto, efetuou tal juízo em situações em que da inobservância do comando ditado por aquela interpretação imprevisível resultava a perda imediata e irre- mediável de um importante direito de defesa processual, não sendo suficiente a insatisfação de uma simples expectativa no modo de aplicação de um determinado preceito legal. Ora, como se reconheceu no Acórdão n.º 158/12, que aqui se segue de muito perto, da qualificação de um processo como urgente não decorre a perda de qualquer direito, havendo apenas que reconhecer que o facto de a contagem dos prazos processuais não se suspender no período de férias judiciais tem um efeito prático ou indireto de encurtamento do tempo disponível para o exercício do direito, no sentido de que o termo do prazo vem a ocorrer em momento anterior àquele em que se verificaria se a contagem beneficiasse da suspensão em férias judiciais. Porém, o interessado continua a dispor do período de tempo em geral con- siderado adequado para exercer os seus direitos processuais, sendo apenas privado da possibilidade de não ter de praticar tais atos no período de férias judiciais, deixando de obter a neutralização do período de férias judi- ciais mediante a suspensão da contagem dos prazos nesse período. Esse efeito – consequência geral inerente ao facto de o período de férias judiciais não significar a paralisação total da atividade dos tribunais – poderá ter reflexos negativos na organização do trabalho do advogado ou defensor do arguido (do mesmo modo que o terá no dos demais sujeitos processuais), mas não atinge e muito menos restringe aos seus direitos proces- suais, cujos pressupostos, âmbito, formalidades e prazo para o exercício se mantêm intocados. Por estas razões, não estando em jogo a perda de um qualquer direito processual em resultado da adoção da interpretação sindicada nunca o invocado cariz imprevisível da interpretação poderá justificar a emissão de um juízo de inconstitucionalidade com fundamento na violação do princípio da tutela da confiança.

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