TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

37 acórdão n.º 494/15 afirmado na Carta Europeia de Autonomia Local, concluída em Estrasburgo em 15 de outubro de 1985 e de que o Estado português é parte. 23.º A ponderação do que antecede aponta, por outro lado, para a consideração irrecusável de que, no domínio específico do regime do trabalho em funções públicas – espaço regulado do direito no qual conflui a problemática que nos ocupa – é ao Estado-legislador que compete a articulação entre os interesses do Estado e os interesses das autarquias locais, isto, naturalmente, no quadro das vinculações constitucionais que nesta matéria se impõem [vejam-se, paradigmaticamente, o n.º 2 do artigo 47.º, a alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º e o artigo 269.º da Lei Fundamental]. 24.º Acresce que, segundo anteriormente antecipado, a Lei Fundamental garante às autarquias locais a disponibili- dade de “quadros de pessoal próprio, nos termos da lei”, sendo “aplicável aos funcionários e agentes da administra- ção local o regime dos funcionários e agentes do Estado, com as adaptações necessárias, nos termos da lei” (n. os  1 e 2 do artigo 243.º da Constituição). 25.º A este respeito é significativa a expressão da anotação ao mencionado preceito constitucional, pela pena de Jorge Miranda e Ana Fernanda Neves (In: Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 508): «A equivalência de regimes jurídicos não obsta a que o legislador disponha de modo diverso para os tra- balhadores da Administração local. Não exclui a diferenciação de regimes laborais. Não por acaso, por isso, o n.º 2 alude às “necessárias adaptações”. Deste modo, a adopção como parâmetro do “regime dos funcionários e agentes do Estado” requer um regime ou regimes jurídicos de trabalho que assegurem a comparabilidade e a mobilidade entre funções públi- cas (...).» 26.º Nesta linha, prosseguem os mesmos Autores ( ibid. ): «Por outro lado, a definição desse regime e a sua aplicação têm um limite no princípio da autonomia das autarquias locais (artigos 6.º, 235.º e 237.º). Esta demanda a salvaguarda da individualidade jurídica das autarquias como sujeitos empregadores, de que é expressão a referência, no n.º 1, a “quadros próprios”, e exclui o poder dispositivo do Governo sobre os respectivos trabalhadores ou a intervenção na gestão das respectivas relações de trabalho, sem prejuízo da verificação do cumprimento da lei em sede de tutela administrativa (artigo 242.º).» 27.º Resulta, deste modo, clara a demarcação do espaço de intervenção do Estado – legislador e do Estado-admi- nistrador em matérias que relevam dos regimes jurídicos dos trabalhadores do Estado e dos trabalhadores da administração local, incluindo em sede de acordos coletivos de empregador público que possam reger as relações tituladas por contrato de trabalho em funções públicas, sendo que, ante a garantia de “quadros de pessoal próprio” das autarquias locais, o papel do Governo – “órgão superior da administração pública”, nos termos do artigo 182.º da Constituição –, encontra-se aí circunscrito ao exercício de funções administrativas de tutela, vale por dizer, estritamente para verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos.

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