TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
375 acórdão n.º 577/15 além do prazo de reclamação (“Uma reclamação indesejada, verdadeira armadilha contra actionem ”, in Cader- nos de Justiça Administrativa, n.º 97 , pp. 33-36). No entanto, o acórdão ignora, ostensivamente, que, pelo acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/2014 (publicado no Diário da República, n.º 199, de 15 de outubro de 2014), o STA, pronuncian- do-se precisamente sobre essa questão, decidiu que não pode convolar-se em reclamação para a conferência o recurso jurisdicional se tiver sido interposto depois de esgotado o prazo de reclamação. E que o Tribunal Constitucional, através dos Acórdãos n. os 749/14 e 884/14, o último dos quais também subscrito pelo relator do presente processo, não julgou inconstitucionais as normas do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, «quando interpretadas no sentido de não admitir a convolação do recurso de apelação em reclamação para a conferên- cia, nas situações em que não tenha sido respeitado o prazo da reclamação», ainda que com o muito discutível argumento de que o «estabelecimento de prazos para a prática de atos processuais é condição da prossecução de um interesse fundamental – o da realização da justiça – e garante de uma posição subjetiva também ela fundamental – o direito a obter uma decisão em tempo razoável». Ou seja, o Acórdão do Plenário propõe que não ocorre uma violação do princípio do processo equita- tivo, com base na imposição à parte de um ónus processual excessivo, porque o juiz de primeira instância, perante a rejeição do recurso, e contrariando a jurisprudência uniformizada do STA, pode convolar o recurso em reclamação para a conferência, mesmo que o recurso seja apresentado para além do prazo previsto para a reclamação, embora se saiba, à partida, que um tal expediente processual está votado ao insucesso, porque não é consonante com a jurisprudência administrativa dos tribunais superiores, nem tem apoio, pelo menos até agora, na jurisprudência constitucional! 4. Para além de utilizar uma argumentação completamente inconsequente quanto ao estado de dúvida sobre a interpretação da lei e a existência de um risco efetivo de perda do direito ao recurso, que é potenciado pela interpretação normativa sindicada, o Acórdão do Plenário também desconsidera totalmente a própria jurisprudência constitucional referente ao princípio do processo equitativo. Ora, o Tribunal Constitucional tem dito que as normas processuais, como decorrência do princípio do processo equitativo, não podem impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação processual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada (Acórdãos n. os 468/01 e 260/02). Dentro dessa mesma linha de entendimento, o Tribunal considera que não pode deixar de ponderar, na apreciação da questão de constitucionalidade, e para aferir da previsibilidade da interpretação normativa adotada, as orientações jurisprudenciais que são segui- das, de forma pacífica, maioritária ou suficientemente sedimentada, quanto aos textos legais que devam ser aplicados (Acórdão n.º 413/02; Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime de citação em processo civil”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pp. 847-848). Nada obstando a que se tenha em devida consideração como fatores de ponderação aplicáveis à aná- lise dos parâmetros de constitucionalidade, independentemente de integrarem o conteúdo normativo do recurso, a prática jurisprudencial que veio sendo normalmente seguida quanto à admissão de recurso juris- dicional de decisões proferidas pelo relator em primeira instância, e a jurisprudência entretanto firmada pelo STA em relação à não convolação do recurso para reclamação para a conferência quando o recurso tiver sido interposto depois de esgotado o prazo para o uso daquele meio processual. Em todo este contexto, a perda do direito ao recurso como efeito irremediavelmente preclusivo da não apresentação de prévia reclamação para a conferência em relação a decisões de mérito do juiz singular, constitui objetivamente um ónus excessivamente oneroso, face à dúvida pertinente quanto à interpretação dos textos legais e ao próprio caráter inovatório do regime legal, quando aplicável a tribunais administrativos de primeira instância. O que surge reforçado pelo facto de, na interpretação normativa sindicada, a decisão de mérito ter sido proferida com a mera invocação da faculdade prevista no artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , do
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