TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

384 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 19. Pode e deve usar-se a técnica interpretativa proposta pelo próprio Tribunal, no seu Acórdão 399/201, a respeito de um caso de “retroatividade inautêntica”, onde se constata que, afinal, sempre o Venerando Tribunal se vinculou, na análise da constitucionalidade de normas fiscais própria ou impropriamente retroativas, a um “teste de confiança.” 20. Este teste de confiança passa pela análise de quatro requisitos que, se verificados, permitem atestar que os dois pressupostos em que assenta o princípio da segurança jurídica/da confiança não se encontram preenchidos – caso em que a norma é inconstitucional. 21. Os pressupostos enunciados são: a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporciona- lidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição). 22. Sendo os quatro requisitos os seguintes: “(…) em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de con- tinuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. “ 23. Quanto ao primeiro requisito (o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade): É em tudo um “imposto-surpresa”, seja pela sua estranha e arbitrária configuração e estruturação, seja pelo momento em que o mesmo é criado, lançado e cobrado. Ainda se fosse uma alteração ao CIMI, discutida no âmbito do Orçamento do Estado, sempre se diria que estaríamos no âmbito de um processo legislativo que já é, infelizmente, comum. Logo, o legislador não criou qualquer expectativa de descontinuidade no seu comportamento quanto à tributação do património imobiliário em momento prévio à criação – surpresa – do tributo. 24. Quanto ao segundo requisito (devem tais expectativas de continuidade ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões): É público e notório que um imposto-surpresa, arbitrário, fere toda e qualquer expectativa de con- tinuidade; e que o cidadão-contribuinte possuía legítimas, justificadas e fundadas razões para que tais expectativas não fossem feridas. Será sempre de supor que o legislador procede com conta, peso e medida, e que quando decide lançar um imposto prepara tal ofensa à propriedade privada com competência e seriedade. Ora, como pode ser este o caso de um tributo que, de tão mal preparado, gerou uma enxurrada de processos judiciais quanto ao seu âmbito, plano de incidência, aplicabilidade, arbitrariedade, etc., dando mesmo lugar a uma alteração legislativa que mais não serve do que acolher as posições ilegais que a administração tributária adotou na aplicação deste imposto aos prédios não edificados e aos prédios em propriedade vertical? 25. Quanto ao terceiro requisito (devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento» estadual): que plano de vida resiste a um imposto criado, lançado e cujo facto tributário se verifica em dois dias consecutivos? 26. Quanto ao quarto requisito (não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa): A única razão que poderia justificar, em nome do interesse público, tão grave descontinuidade no sistema fiscal, mais concretamente na tributação do

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