TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
416 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação 1. Da delimitação do objeto do recurso 1. Do não conhecimento do recurso quanto à questão de constitucionalidade constante do ponto III do requerimento de interposição de recurso No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Cons- titucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, incide sobre questões em que a desconformidade constitucional é imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas e não direta- mente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. Como tem sido salientado pelo Tribunal Constitucional, em jurisprudência uniforme e reiterada, não existe no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do “recurso de amparo” ou “queixa constitu- cional”, destinada a sindicar uma eventual e direta violação de direitos fundamentais tutelados pela Consti- tuição por parte de um concreto ato ou decisão, designadamente, por uma decisão do poder jurisdicional. Constitui também jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade pode incidir sobre normas ou sobre interpretações normativas, sendo que, quando reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da deci- são, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daque- les em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com caráter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto. No caso dos autos, conforme resulta do requerimento de interpretação de recurso, no que diz respeito à questão referida no ponto III do mesmo, se o recorrente pretende que seja fiscalizada a constitucionalidade de determinada norma aplicada pelo tribunal a quo, tal não resulta do teor dessa peça processual, uma vez que aí não é questionada a conformidade constitucional de qualquer norma, imputando-se a inconstitucio- nalidade diretamente à decisão recorrida. Por outro lado, se pretendia questionar a conformidade constitu- cional apenas de um segmento ou de uma determinada dimensão ou interpretação normativa de um dado preceito ou “arco normativo”, também não identificou tal segmento nem enunciou dimensão ou sentido normativo que reputa ser inconstitucional. Na verdade, conforme resulta do referido requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente limitou-se a sustentar que a forma como o acórdão recorrido julgou e decidiu determinadas questões era «(…) desenquadrada do espírito do legislador constitucional, violando os direi- tos, liberdades e garantias de qualquer cidadão ao colocar em causa a norma consagrada no artigo 18.º da CRP, através dos Princípios da Legalidade e da Proporcionalidade e todos os direitos e deveres aos mesmos inerentes», acrescentado ainda que «[a] reinserção social do agente é em si mesma uma forma primordial de proteção de bens jurídicos terceiros, que não é tão somente ou sequer maioritariamente defendida pela pena de prisão inserido num regime processual que viola o disposto pelo artigo 6.º, n.º 1, na vertente processo não equitativo, aplicável pelo artigo 8.º, n. os 1 e 2, da CRP», sem que, no entanto, quer no aludido requerimento de interposição de recurso, quer em momento anterior, tenha questionado a conformidade constitucional de qualquer norma (ou de determinada interpretação normativa) de direito infraconstitucional que, no seu entender, tenha sido aplicada pela decisão recorrida.
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