TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

42 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nesse contexto, a autonomia local deve ser associada ao princípio constitucional geral da unidade do Estado e, lida em contexto com a autonomia regional, o princípio da subsidiariedade e a descentralização admi- nistrativa (Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 232). A importância central desta matéria tem como consequência o tratamento jurispruden- cial desenvolvido pelo Tribunal Constitucional sobre o alcance da garantia constitucional da autonomia local (cfr. A. Maurício, “A garantia constitucional da autonomia local à luz da jurisprudência do Tribunal Consti- tucional”, in Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, pp. 625-657). O princípio da autonomia local, de que importa agora tratar, é desenvolvido na Constituição no seu título VIII, relativo ao Poder local, da parte III (Organização do poder político). O enquadramento supralegal das autarquias locais é, ainda, completado pela Carta Europeia da Autonomia Local, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 28/90, de 23 de outubro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 58/90, de 23 de outubro, vigente na nossa ordem jurídica por força do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição. 9. O artigo 235.º da Constituição estabelece que a «organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais», que são «pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas». Esta norma constitucional garante e impõe a existência de autarquias locais em todo o país e «tem um sentido de garantia institucional, assegu- rando a existência de administração local autárquica autónoma» (Acórdão n.º 296/13, n.º 12). As autarquias locais são mais que «mera administração autónoma do Estado», uma vez que «concorrem, pela própria existência, para a organização democrática do Estado. Justificadas que são pelos valores da liber- dade e da participação, as autarquias conformam um “âmbito de democracia” (Ruiz Miguel), num sistema que conta precisamente com o princípio básico de que toda a pessoa tem direito de participar na adoção das decisões coletivas que a afetam» (cfr. Acórdão n.º 432/93, n.º 1.2., cfr. também Acórdão n.º 296/13, n.º 13, e o Acórdão n.º 109/15, n.º 10). Nesse contexto, José de Melo Alexandrino, define autarquia local como «a forma específica de organização territorial, na qual uma comunidade de residentes numa circunscrição territorial juridicamente delimitada dentro do território do Estado prossegue interesses locais, através do exercício de poderes públicos autónomos», acentuando o Autor um conjunto de ideias das quais destacamos «o relevo e a inafastável feição política dos entes locais» e «um certo grau de imediatividade dos poderes públicos (dado pelo autogoverno ine- rente à legitimidade e representatividade democráticas dos órgãos), mas também a independência relativamente a orientações ou poderes condicionantes externos, nomeadamente estatais» (“Direito das Autarquias Locais”, in Tratado de Direito Administrativo Especial , vol. IV, Almedina, 2010, pp. 111-112). As autarquias locais têm como objetivo constitucionalmente traçado a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (artigo 235.º, n.º 2). Também segundo o artigo 3.º, n.º 1, da Carta Europeia da Autonomia Local, «o princípio da autonomia local pressupõe e exige, entre outros, o direito e a capacidade de as autarquias regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos» (Acórdão n.º 296/13, n.º 14). Entende José de Melo Alexandrino que a garantia institucional da autonomia local, «na fórmula consagrada pelo Tribunal Constitucional federal alemão», é «uma garantia institucional de todas as atribuições enraizadas na comunidade local ou a ela especificamente referidas e que a mesma seja capaz de levar a cabo de forma autónoma e sob a sua responsabilidade própria» ( ob. cit. , pp. 83-84). Nas palavras do Acórdão n.º 432/93, (n.º 1.2. e 1.3.), esses interesses próprios das populações: «(…) justificam a autonomia e porque a justificam delimitam-lhe o conteúdo essencial. Eles entranham as razões de proximidade, responsabilidade e controlabilidade que proporcionam a auto-organização. O espaço incomprimível da autonomia é, pois, o dos assuntos próprios do círculo local, e “assuntos próprios do círculo local são apenas aquelas tarefas que têm a sua raíz na comunidade local ou que têm uma relação espe- cífica com a comunidade local e que por esta comunidade podem ser tratados de modo autónomo e com respon- sabilidade própria [(…) und von dieser örtlichen Gemeinschaft eigenverantwortlich und selbständig bewältigt werden

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