TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
420 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL essa que veio a ocorrer no dia 2 de julho de 2015, através de ofício expedido pela Procuradoria-Geral da República. Entende o recorrente que o acórdão recorrido, ao manter e confirmar a interpretação dada pelo anterior Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, considerando que o despacho de admissibilidade da Ministra da Justiça, de per si, seria ou substituiria o pedido formal de extradição, acabou por transformar o Julgador em Legislador, violando o disposto nos artigos 8.º, n. os 1 e 2, 18.º, n.º 1, 161.º, alínea c), e 204.º, todos da Constituição da República. Vejamos, pois, se lhe assiste razão. O artigo 8.º, n.º 1, da Constituição estabelece que «[a]s normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e fazem parte integrante do direito português», acrescentando o n.º 2 que «[a]s normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português». Estes preceitos operam a receção do direito internacional geral e comum e do direito internacional con- vencional na ordem jurídica portuguesa. Ora, não se vislumbra em que termos a interpretação normativa sindicada viola as referidas normas constitucionais. Com efeito, independentemente de se concordar com a interpretação que as instâncias jurisdicionais façam de normas convencionais, tal não significa que se entenda que tais normas não tenham sido tidas como aplicáveis na ordem jurídica interna, não se evidenciando, por isso, qualquer violação dos aludidos preceitos constitucionais. O artigo 18.º, n.º 1, da Constituição, dispõe que «[o]s preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas» e, por sua vez, o artigo 204.º da Constituição, estabelece que «[n]os feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados». Do n.º 1 do artigo 18.º da Constituição decorre que, verificados determinados pressupostos, as normas consagradoras de direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis. Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada , Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, pp. 382-383), «a aplicabilidade direta transporta, em regra, direitos subjetivos, o que permite (…) invocar a invalidade dos atos normativos que, de forma direta, ou mediante interpretação infrinjam os preceitos consagradores de direitos, liberdades e garantias, impondo- -se, assim, na solução dos casos concretos, contra a lei e em vez da lei, ou contra determinada interpretação da lei», sendo certo também que os preceitos que consagram direitos, liberdades e garantias vinculam enti- dades públicas e privadas. Tal vinculação implica, para os tribunais, que estes tenham o dever de fiscalização da constitucionalidade das leis, desaplicando-as no caso de concluir que as mesmas são desconformes com a Constituição. No entanto, não tendo o recorrente invocado outros parâmetros constitucionais que entenda terem sido violados, não se pode concluir que, pelo facto de a interpretação normativa em causa merecer a sua discordância, devesse ser objeto de recusa de aplicação pelo tribunal recorrido. Finalmente, o artigo 161.º, alínea c) , da Constituição, estabelece que compete à Assembleia da Repú- blica «fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo». Depreende-se que o recorrente invoca a violação desta norma por entender que o julgador se substituiu ao legislador, por ter considerado «o despacho de admissibilidade de Sua Excelência a Ministra da Justiça, de per si, seria ou substituiria o pedido formal de extradição». A interpretação normativa sob fiscalização em nada interfere com a competência da Assembleia da República, pretendendo-se com a invocação deste parâmetro que o Tribunal Constitucional controle a lega- lidade da interpretação efetuada pela decisão recorrida, o que não cabe nas suas competências Contudo, sempre se dirá que, em momento algum, a decisão recorrida entendeu que «o despacho de admissibilidade de Sua Excelência a Ministra da Justiça, de per si, seria ou substituiria o pedido formal de extradição». O que resulta dessa decisão é que esse despacho é proferido numa fase administrativa, em que o pedido de extradição já foi remetido às autoridades portuguesas pelo Estado requerente, sendo a sua
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