TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
422 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL processuais que contenham regras dirigidas à determinação do tribunal que há de intervir em cada caso, segundo critérios objetivos (vide, sobre o sentido e alcance do princípio do juiz natural, Figueiredo Dias, em “Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do “juiz-natural”, na Revista de Legislação e de Jurispru- dência , Ano 111.º, pp. 83-88). Conforme assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 525) «A doutrina costuma salientar que o princípio do juiz legal comporta várias dimensões fundamentais: (a) exigência de determinabilidade, o que implica que o juiz (ou juízes) chamado(s) a proferir decisões num caso concreto estejam previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca; (b) princípio da fixação de competência, o que obriga à observância das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos precei- tos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do juiz da causa; (c) observância das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribuição seja uma atividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial).» O Tribunal Constitucional já teve por diversas vezes a oportunidade de se pronunciar sobre questões de constitucionalidade em que era invocada a violação deste princípio. Fê-lo, designadamente, nos Acórdãos n. os 482/14, 21/12, 7/12, 162/09, 614/03 e 193/97, entre muitos outros. No Acórdão n.º 614/03, a respeito das diversas dimensões incluídas neste princípio, escreveu-se o seguinte: «O princípio do “juiz natural”, ou do “juiz legal”, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da Constituição). Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeter- minado por lei, gesetzlicher Richter ) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo – em nome da raison d’État – quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto. A garantia do “juiz natural” tem, assim, um âmbito de proteção que é, em larga medida, configurado ou con- formado normativamente – isto é, pelas regras de determinação do juiz “natural”, ou “legal” (assim G. Britz, ob. cit., p. 574, Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte II, 14.ª edição, Heidelberg, 1998, p. 269). E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro direito fundamental subje- tivo de dimensões objetivas de garantia, pode reconhecer-se nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas. Logo pela própria ratio do princípio, tais regras não podem, assim, limitar-se à determinação do órgão judiciá- rio competente, mas estendem-se igualmente à definição, seja da formação judiciária interveniente (secção, juízo, etc.), seja dos concretos juízes que a compõem. E isto, quer na 1.ª instância, quer nos tribunais superiores, e quer para o julgamento do processo penal, quer para a fase de instrução (referindo que o princípio se aplica igualmente ao juiz de instrução, vide, além das decisões já citadas dos tribunais constitucionais alemão e italiano, entre nós, já Figueiredo Dias, Sobre o sentido… , cit., p. 83, nota 3). Assim, as regras de determinação do juiz, relevantes para efeitos da garantia do “juiz natural”, terão de incluir, não apenas regras constantes de diplomas legais, mas também outras regras que servem para determinar essa defi- nição da concreta formação judiciária que julgará um processo – por exemplo, as relativas ao preenchimento de
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