TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

423 acórdão n.º 596/15 turnos de férias –, mesmo quando não constam da lei e antes de determinações internas aos tribunais (por exemplo, regulamentos ou outro tipo de normas internas). Trata-se, aqui, das referidas “determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos)”, apontando, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “para a fixação de um plano de distribuição de processos”, pois, “embora esta distribuição seja uma ativi- dade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial”. É, pois, ao conjunto das regras, gerais e abstratas mas suficientemente precisas (embora possivelmente com emprego de conceitos indeterminados), que permitem a identificação da concreta formação judiciária que vai apreciar o processo (embora não necessariamente a do relator, a não ser que, como acontece entre nós, da sua determinação possa depender a composição da formação judiciária em causa), que se refere a garantia do “juiz natural”, pois é esse o alcance que é requerido pela sua razão de ser, de evitar a arbitrariedade ou discricionariedade na atribuição de um concreto processo a determinado juiz ou a determinados juízes. Para além desta dimensão positiva, incluindo o aspeto de organização interna dos tribunais, o princípio tem, igualmente, uma vertente negativa, consistente na proibição de afastamento das regras referidas, num caso indi- vidual – o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal. Afirma-se, assim, a ideia de perpetuatio juris- dictionis, com “proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto, especiais ou excecionais – a qual deve, aliás, ser relacionada também com a proibi- ção, constante do artigo 209.º, n.º 4, da Constituição, de “existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes”, salvo os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (artigo 213.º da Constituição). Como tem sido salientado na nossa doutrina e resulta igualmente da jurisprudência constitucional referida, o princípio do juiz natural não pode, porém, proibir nem a alteração legal da organização judiciária – incluindo da competência para conhecer de determinados processos –, nem a possibilidade de aplicação imediata destas alterações, embora os processos concretos possam, assim, vir a ser apreciados por um tribunal diverso daquele que resultaria das regras em vigor no momento da prática do facto em questão. Esta alteração, quer de regras legais, quer de regras de procedimento para a divisão interna de processos, pode impor-se por acontecimentos ou cir- cunstâncias que não podem ser descritas previamente de forma esgotante, podendo valer mesmo para processos já pendentes. Ponto é, porém, que o novo regime – ou a revogação, e não apenas derrogação, para um caso concreto, do anterior – valha em geral, abrangendo um número indeterminado de processos futuros, e não exprima razões discriminatórias ou arbitrárias, que permitam afirmar que se está perante uma constituição ou determinação ad hoc da formação judiciária em causa (neste sentido, além da citada jurisprudência constitucional alemã e italiana, por exemplo Chr. Degenhart, comentário 12 ao artigo 101.º da Lei Fundamental, in Michael Sachs, Grundgesetz – Kommentar, 2.ª edição, München, 1999, p. 1822). Será o caso se tal alteração for justificada por imperativos de realização da justiça.» No caso dos autos, segundo o recorrente, o princípio do juiz natural, consagrado no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição, impõe uma interpretação do artigo 36.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, no sentido de o Relator originário do processo tomar parte e integrar a conferência que julga pedido de extra- dição passiva, quando o respetivo julgamento é realizado durante as férias judiciais, não podendo aquele ser substituído por outro de turno. A decisão recorrida, depois de realçar que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu o pedido de extradição em causa nos autos, foi proferido no dia 19 de agosto de 2015, ou seja, em período de férias judiciais (conforme decorre do artigo 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário), referiu ainda que o artigo 36.º da mencionada Lei n.º 62/2013 prevê a organização de turnos para assegurar o serviço que deva ser executado durante as férias judiciais e que os juízes de turno são competentes para os atos judiciais produzidos no respetivo turno. Assim, entendeu a decisão recorrida que, atenta a natureza urgente do processo de extradição (cfr. artigo 73.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto), o mesmo corre em férias, visando a intervenção do

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