TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

47 acórdão n.º 494/15 17. Como já se teve oportunidade de referir, a autonomia local, constitucionalmente garantida, visa «a prossecução de interesses próprios das populações respetivas» (artigo 235.º, n.º 2, da Constituição). É nesse contexto que a lei define as atribuições das autarquias (artigo 237.º, n.º 1), em domínios, áreas ou matérias determinadas, como o ordenamento do território, o ambiente, a cultura, a ação social, a proteção civil ou a educação (cfr. os artigos 7.º e 23.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado em anexo à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro). Paralelamente, a Constituição consagra dimensões ou elementos constitutivos da autonomia, decorrentes do princípio da autonomia local, que garantem que o desempenho pelas autarquias, como entes democráticos locais, das suas atribuições não se encontra indevidamente con- dicionado pelo Governo (a autonomia orçamental, regulamentar, ou de pessoal). A existência de órgãos das autarquias com legitimidade democrática direta – que são eleitos pela população local e perante esta respon- sáveis – seria incompatível com a sujeição da sua organização ou funcionamento a uma qualquer relação de hierarquia ou sujeição a tutela de mérito pela administração do Estado. Caso contrário, os titulares do poder local poderiam ser politicamente responsabilizados por opções que não foram por si livremente tomadas. Encontrando-se a autonomia local, tal como consagrada na Constituição, funcionalmente ligada à pros- secução dos interesses próprios das populações (artigo 235.º, n.º 2), também os elementos dessa autonomia, onde se insere a autonomia em matéria de pessoal, são instrumentais face às atribuições das autarquias e essenciais para a sua prossecução. Um desses elementos, a autonomia financeira das autarquias locais, já foi «pacificamente reconhecida como um pressuposto da autonomia local», sem a qual «não há condições para uma efetiva autonomia», pelo Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 631/99, n.º 5). Como se afirma no Acór- dão n.º 398/13, n.º 3, ainda quanto à proteção constitucional da autonomia financeira das autarquias locais: «A consagração constitucional da autonomia local traduz (…) o reconhecimento da existência de um conjunto de interesses públicos próprios e específicos de populações locais, que justifica a atribuição aos habitantes dessas cir- cunscrições territoriais do direito de decisão no que respeita à regulamentação e gestão, sob a sua responsabilidade e no interesse dessas populações, de uma parte importante dos assuntos públicos. Este reconhecimento tem pres- suposta a ideia de que as autarquias locais têm de dispor de património e receitas próprias que permitam conferir operacionalidade e tornar praticável a prossecução do interesse público, concretamente, dos interesses específicos e próprios das respetivas populações. Assim, para que possam levar a cabo o conjunto de tarefas que estão incluídas nas suas atribuições e competências, é colocada à disposição das autarquias locais um conjunto de mecanismos legais e operacionais suscetíveis de as tornarem exequíveis, designadamente a possibilidade de disporem de patri- mónio e receitas próprias, gozando, assim, de autonomia financeira.» O mesmo raciocínio é aplicável à autonomia local em matéria de pessoal, constante no artigo 243.º da Constituição, e decorrente da consagração do princípio da autonomia local pelo artigo 6.º da Constituição. 18. A garantia institucional da autonomia local pressupõe, pois, que as autarquias disponham de recursos humanos próprios e que gozem de liberdade na sua gestão e organização dos seus serviços, tendo também consequências quanto ao regime legal aplicável. Efetivamente, a definição pelo legislador do regime aplicável aos trabalhadores em funções públicas das autarquias locais e a sua aplicação «têm um limite no princípio da autonomia das autarquias locais (artigos 6.º, 235.º e 237.º)», de onde decorre «a salvaguarda da individualidade jurídica das autarquias como sujeitos empregadores, de que é expressão a referência, no n.º 1, a “quadros pró- prios”, e exclui o poder dispositivo do Governo sobre os respetivos trabalhadores ou a intervenção na gestão das respetivas relações de trabalho, sem prejuízo da verificação do cumprimento da lei em sede de tutela administra- tiva (artigo 242.º)» (J. Miranda/ A. Fernanda Neves, ob. cit. , p. 508). Assim sendo, encontra-se abrangido pelo princípio da autonomia local, no que diz respeito ao elemento de autonomia em termos de pessoal, o poder das autarquias atuarem como empregadores públicos relativamente aos respetivos trabalhadores em funções públicas, inscritos em mapas de pessoal próprios, e de gerir o respetivo serviço, de forma autónoma, nos termos de um regime legal adaptado à sua situação (artigo 6.º, n.º 1, e no artigo 243.º, n. os  1 e 2, da Constituição).

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