TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
483 acórdão n.º 601/15 Basta atentarmos que este princípio surge no contexto da Revolução Francesa, no seio da procura de instru- mentos jurídicos que limitassem, o jus puniendi do Estado, por forma a pôr cobro aos abusos que se verificavam anteriormente num processo de cariz todo ele inquisitório. Daí que tenha surgido o princípio da presunção de inocência, que se traduz, no essencial, na inexistência de um ónus probatório do arguido em processo penal, isto é, o arguido não tem que provar a sua inocência para ser absolvido (ela é presumida à partida). Daí que, em caso de dúvida, o arguido deva ser absolvido (princípio in dubio pro reo ). Ora, os efeitos de um recurso apenas têm a ver com a eficácia da decisão recorrida, nomeadamente a sua ime- diata exequibilidade ou inexequibilidade. A impugnação judicial de uma decisão administrativa é, no fundo, uma solicitação de reapreciação por um órgão judicial de uma decisão proferida por entidade administrativa. A sua função e finalidade corresponde, no fundo, a um recurso interposto da decisão administrativa. O efeito devolutivo, consagrado no artigo 35.º da Lei n.º 107/2009, apenas possibilita a imediata exequibi- lidade da coima aplicada. Contudo, se a impugnação for julgada procedente, nenhum direito do recorrente fica postergado, sendo certo que na apreciação judicial, será necessariamente sempre tida em consideração (se tal foi fundamento de impugnação) a existência de prova suficiente para a condenação, mostrando-se assim respeitado o princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado. Em suma, mostrando-se consagrado no artigo 35.º da Lei n.º 107/2009, o direito ao recurso e não sendo afastado o princípio da presunção de inocência, mostram-se respeitadas as garantias de defesa previstas no artigo 32.º da Constituição. Por isso mesmo, se entende que o aludido artigo 35.º não é inconstitucional, tal como já havia sido supra referido neste acórdão. Acresce que, a própria lei faculta a possibilidade de afastar a exequibilidade da decisão administrativa, bastando para tanto, que a impugnante efetue o depósito do valor da coima e das custas processuais. Tal caução não se mos- tra, de forma alguma onerosa, pois não excede a condenação e as custas inerentes ao processo, que sempre terão que ser satisfeitas, caso seja confirmada a decisão condenatória e, caso não seja, a quantia depositada será devolvida. Em suma, não se verifica a invocada inconstitucionalidade do artigo 35.º da Lei n.º 107/2009, pelo que o recurso se mostra improcedente, nesta parte. (…) Prosseguindo no conhecimento das questões suscitadas em sede de recurso, importa apreciar a invocada inconstitucionalidade do artigo 554.º, n.º 3, alínea b) do Código do Trabalho. Vejamos então. De harmonia com o disposto no n.º 1 do aludido normativo, por norma, a cada escalão de gravidade das con- traordenações laborais corresponde uma coima variável em função do volume de negócios da empresa e do grau de culpa do infrator. No caso de contraordenação leve, os limites mínimo e máximo das coimas são os indicados no n.º 2 do preceito legal. No que respeita às contraordenações graves, tais limites mostram-se previstos no n.º 3 do artigo. Por sua vez, as molduras abstratas das coimas aplicáveis às contraordenações muito graves, são as que vêm previstas no n.º 4 do normativo. Desde já, referimos que a alusão feita pelo recorrente ao n.º 3, alínea b) do artigo 554.º, só pode ter sido feita por manifesto erro material, pois uma vez que a contraordenação praticada é considerada muito grave, nos termos previstos pelo n.º 3 do artigo 263.º do já mencionado Código, a referência que se pretendia fazer só faz sentido em relação ao n.º 4, alínea b) , que, aliás, foi a norma aplicada para a determinação da moldura abstrata da coima a considerar, pelo que a invocada inconstitucionalidade será apreciada em relação ao dispositivo legal concretamente aplicado. No entendimento do recorrente a norma em causa viola o princípio da proporcionalidade previsto na Consti- tuição da República Portuguesa.
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