TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

49 acórdão n.º 494/15 20. Estamos no âmbito da regulação dos elementos próprios da autonomia local, constitucionalmente consagrados (que são meios para alcançar os seus fins: a prossecução dos interesses próprios das populações locais), neste caso, a autonomia em termos de pessoal. Os elementos da autonomia (organizativa, financeira, regulamentar, ou de pessoal, por exemplo) encon- tram-se constitucionalmente garantidos enquanto tal (espaços de autonomia autárquica) e devem, como tal, ser respeitados. Não se aplica aqui, portanto, uma lógica de “condomínios de interesses” locais e supra-locais, cujas articulações são modeláveis pelo legislador. Estando constitucionalmente consagrada uma determinada dimensão de autonomia das autarquias, como a sua autonomia em termos de pessoal, esta dificilmente acomodará uma solução de balanceamento ou ponderação de interesses através de mecanismos complexos de co-gestão ou co-decisão. O recurso a instrumentos deste género obrigaria as autarquias a co-gerir com a administração do Estado dimensões constitucionalmente consagradas da sua autonomia, o que implicaria o seu esvaziamento de facto. Isto não significa que o princípio da autonomia local seja ilimitado e incomprimível. Os elementos da autonomia são objeto de regulação pelo legislador (artigo 237.º, n.º 1) que, nesse contexto, pode condicionar ou comprimir a esfera de atuação autónoma das autarquias, quando um interesse público de âmbito nacional o justificar e desde que respeite o núcleo incomprimível da autonomia. 21. São dois os interesses públicos invocados para justificar a solução normativa em análise: (i) a garantia de semelhança e proximidade dos regimes aplicáveis a trabalhadores em funções públicas da administração local e aos trabalhadores da administração direta e indireta do Estado (artigo 243.º, n.º 2); e (ii) o equilíbrio das contas do sector público, quanto aos gastos com o pessoal. Foram estes os interesses identificados pelo Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, no Parecer n.º 9/2014 (publicado no Diário da República , 2.ª Série, de 6 de outubro de 2014), homologado por despacho do Secretário de Estado da Admi- nistração Pública, de 26 de setembro de 2014, relativo ainda ao RCTFP, já revogado. Quanto a este último interesse (ii) , e no sentido da existência de um «princípio da compatibilidade financeira dos acordos que tem que ser observado», Ana Fernanda Neves refere que a «regulação coletiva do regime das relações de emprego na Administração Pública encontra-se limitada pela conformação orçamental da despesa que pode envolver e pelas políticas e interesses públicos em que entronca, que as mais das vezes não estão na disponibilidade dos empregadores públicos» e que a «garantia desta dupla compatibilização passa pela definição do procedi- mento de contratação e das regras de legitimidade para nele participar, respetivamente, de molde a garantir a necessária articulação com o Orçamento do Estado e a participação dos responsáveis pelas finanças e política de pessoal na Administração Pública» (“O Direito da Função Pública”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. IV, Coimbra, 2010, p. 393). 22. Ora, os interesses públicos referidos não justificam a intervenção dos membros do Governo como partes contratantes, nos acordos coletivos em causa. Desde logo, é de referir que a aplicação do mesmo regime legal geral, a LTFP, a todos os trabalhadores em funções públicas: da administração local e da administração direta e indireta do Estado (cfr. o seu artigo 1.º, n.º 2) garante a semelhança dos regimes aplicáveis a trabalhadores em funções públicas da administração local e aos trabalhadores da administração direta e indireta do Estado. Para além disso, a própria LTFP con- tém diversas soluções legais que permitem assegurar a prevalência dos interesses públicos referidos, nomeada- mente: (i) a determinação de que o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho não pode contrariar norma legal imperativa [artigo 355.º, n.º 2, alínea a) , da LTFP]; (ii) a previsão de que o acordo coletivo de carreira é celebrado, por parte dos empregadores públicos, por membros do Governo (artigo 364.º, n.º 1 e 2, da LTFP); (iii) a limitação de matérias sobre que podem incidir os acordos coletivos de empregador público. Estes apenas podem regular as matérias indicadas em acordo coletivo de carreira (celebrado, pela parte pública, pelo Governo) ou, na falta desta indicação ou perante inexistência deste acordo, limitam-se a

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