TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

493 acórdão n.º 601/15 Não obstante a recorrente enunciar como objeto de fiscalização a «norma do artigo 35.º», nos termos em que formula o pedido, reporta a inconstitucionalidade às normas dos n. os 1 e 2 daquele preceito: à norma do n.º 1, que atribui efeito meramente devolutivo à interposição da impugnação judicial da coima; e à norma do n.º 2, na parte em que exige o depósito bancário do valor da coima e das custas do processo como condi- ção do efeito suspensivo da impugnação judicial. De facto, no contexto argumentativo da recorrente, a interpretação normativa sobre que incide o recurso de fiscalização concreta não se limita a eleger o sentido que o texto direta e claramente comporta – como deixa transparecer no modo com enuncia formalmente o objeto do recurso –, já que a essa interpretação subjaz a enunciação de critérios normativos substancialmente diversos: por um lado, a regra geral do efeito meramente devolutivo da impugnação, que a recorrente considera incompatível com o princípio da presun- ção da inocência; por outro lado, a aplicação dessa regra a quem, por insuficiência de meios económicos, não pode depositar o valor da coima e das custas do processo. A questão de constitucionalidade colocada pela recorrente incide assim sobre duas normas extraídas do referido artigo 35.º: a que estabelece o efeito mera- mente devolutivo à interposição da impugnação judicial da decisão administrativa que aplica a coima (n.º 1); e a aplicação desse efeito aos recorrentes que, por insuficiência de meios económicos, não podem depositar o valor da coima e as custas do processo (n.º 2). Mas foi sobretudo nesta última dimensão normativa que a recorrente suscitou no decurso do processo a inconstitucionalidade atribuição do efeito meramente devolutivo à interposição da impugnação judicial. Na peça processual em que suscitou pela primeira vez esta questão, e nas demais que lhe seguiram, é bem percetí- vel, em termos objetivos, que a recorrente se insurge contra o facto do artigo 35.º não ressalvar a situação dos impugnantes que, por insuficiência de meios económicos, não podem depositar o valor da coima. A recor- rente, para sustentar a inconstitucionalidade do efeito não suspensivo da impugnação configura a situação do recorrente condenado por uma decisão que determina a aplicação de uma coima avultada e que, por falta de meios económicos, não pode depositar o respetivo seu valor, acrescido das custas do processo: «Caso, este recorrente, não tenha meios económicos ao seu dispor, para depositar o valor da coima acrescido das custas, e assim, obter o efeito suspensivo, durante o tempo em que a decisão demore a ser proferida, ver-se-á a braços com uma execução intentada pela autoridade administrativa que lhe aplicou a injusta coima», concluindo que «não faz sentido pagar primeiro e recorrer depois», que a «exigência de pagamento de “caução” para con- ferir à impugnação efeito suspensivo é demasiado onerosa e só estará acessível aos mais afortunados», sendo por isso suscetível de «causar enormes prejuízos ao recorrente». Como se vê, a aplicação do efeito devolutivo à impugnação judicial daqueles que não dispõem de meios económicos suficientes para depositar o valor da coima foi a interpretação normativa que a recorrente mais questionou sob o prisma da constitucionalidade. Ora, muito embora a recorrente tenha pedido a declaração de inconstitucionalidade da «norma do artigo 35.º», que abrange todas as dimensões ou significações jurídi- cas que dela é possível obter, a verdade é que, quando perspetivada e aplicada naquela dimensão, a apreciação da constitucionalidade atinge apenas a parte da norma que exige o depósito do valor da coima e das custas do processo a recorrentes que, por insuficiência económica, o não podem efetuar. E o acórdão recorrido, para além de considerar que o efeito devolutivo da impugnação da coima não desrespeita o princípio da presunção de inocência, também fez aplicação efetiva desta interpretação nor- mativa como ratio decidendi da questão que foi chamado a apreciar. Com efeito, contrariando a tese da recorrente, segundo a qual o depósito do valor da coima só é acessível aos mais afortunados, julgou que esse depósito é uma caução que «não se mostra, de forma alguma onerosa, pois não excede a condenação e as custas inerentes ao processo, que sempre terão que ser satisfeitas, caso seja confirmada a decisão condenatória e, caso não seja, a quantia depositada será devolvida». 9. Simplesmente, se a impugnação judicial já está decidida em segunda instância, sem possibilidade de se conhecer da inconstitucionalidade da norma ao abrigo da qual foi aplicada a coima, não se vê que utili- dade processual tem para a recorrente a eventual declaração de inconstitucionalidade da norma que atribui o

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