TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

494 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL efeito devolutivo à impugnação judicial e que exige o depósito do valor da coima ou garantia bancária como condição de suspensão da eficácia do ato sancionador. A expressão «efeito meramente devolutivo», constante do n.º 1 do artigo 35.º da Lei n.º 107/2009, é normalmente utilizada nas leis processuais para definir o efeito que a interposição do recurso jurisdicional tem na eficácia da decisão judicial. Os recursos ordinários têm sempre efeito devolutivo, no sentido de atribuírem ao tribunal superior o poder de rever a decisão recorrida; mas se forem somente ou meramente devolutivos, a esse efeito não acresce o efeito suspensivo. Diz-se assim que o recurso tem efeito meramente devolutivo quando a decisão recorrida é imediatamente exequível. Como o recurso não tem efeito suspen- sivo, a decisão pode executar-se com base numa decisão que ainda não transitou em julgado (n.º 1 do artigo 704.º do CPC). E a execução da coima com base na decisão da autoridade administrativa que aplique uma coima faz-se através da remessa dos autos ao representante do Ministério Público competente para promover a execução (n. os 1 e 3 do 89.º do RGCO), correndo por apenso ao processo de impugnação judicial. Como a Admi- nistração não dispõe de autotutela executiva no domínio das execuções para pagamento de quantia certa, a execução antecipada em consequência do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial também tem que ser efetuada por via judicial, seguindo o procedimento previsto nos artigos 88.º a 91.º do RGCO, aplicáveis supletivamente às contraordenações laborais. Neste contexto, o interesse em saber se é constitucionalmente legítima a execução imediata da coima, antes do trânsito em julgado da impugnação judicial, ou atribuir efeito suspensivo à impugnação com o depósito do valor da coima, sem ressalvar as situação em que o impugnante a não pode prestar por insufi- ciência de meios económicos, só releva enquanto a decisão administrativa que aplicou a coima não se tornar incontroversa e definitiva. De facto, a partir do momento em que a decisão administrativa se torna imutável para produzir os seus efeitos, o procedimento de efetivação imediata ou antecipada da coima deixa de ter sentido, porque nesse momento se impõe, em caso de incumprimento, a execução definitiva da coima. A imediatidade ou antecipação dos efeitos executivos da decisão sancionadora da Administração só adquirem relevância jurídica enquanto a sanção aplicada não se tornar indiscutível em absoluto, impedindo que a ques- tão decidida seja colocada no futuro ( ne bis in idem ) e impondo a adoção no futuro da solução que decidiu ( res judicata pro veritate habetur ). Ora, no caso dos autos, nem a autoridade administrativa que aplicou a coima iniciou o processo de exe- cução antecipada com a remessa ao tribunal do título executivo para esse efeito, nem o impugnante procedeu ao depósito do valor da coima ou, em substituição, prestou garantia bancária, na modalidade on first demand . E não sendo admissível, como referimos, conhecer do vício de inconstitucionalidade que a recorrente impu- tou ao ato sancionador, a coima aplicada pela Autoridade para as Condições do Trabalho não pode mais ser modificada, pelo que adquiriu uma força vinculante que permite, em caso de incumprimento, executá-la em definitivo. Constata-se pois que qualquer que seja a decisão que o Tribunal Constitucional venha a tomar sobre a questão da inconstitucionalidade das normas do artigo 35.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, a decisão recorrida ou prestação de garantia bancária será sempre a mesma, podendo ser executada indepen- dentemente do juízo que possa ser tomado sobre a norma que constitui objeto do presente recurso. De modo que não há interesse jurídico relevante no conhecimento do recurso interposto da decisão condenatória, porque a decisão da questão de constitucionalidade, que constitui objeto do recurso, não pode influir de todo nessa decisão. O que melhor se compreende se se tiver em conta que o recurso de constitu- cionalidade desempenha sempre uma função instrumental. A referida declaração de inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 35.º da Lei n.º 107/2009 não produziria um efeito útil no caso concreto, pois, ainda que se considerasse que a coima não podia ser executada antecipadamente, tal decisão não podia reper- cutir-se na decisão recorrida, uma vez que a coima por esta aplicada já é suscetível de execução definitiva. Neste ponto importa recordar a natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitu- cionalidade, adotada pelo sistema jurídico português. Conforme este Tribunal tem repetidamente afirmado, o recurso de inconstitucionalidade tem uma função instrumental. Embora o recurso seja restrito à questão da

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