TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

50 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL poder incidir sobre as matérias relativas a segurança e saúde no trabalho e duração e organização do tempo de trabalho, excluindo as respeitantes a suplementos remuneratórios (artigo 14.º da LTFP). A intervenção do Estado na definição do regime legal aplicável aos trabalhadores em funções públicas, incluindo os das autarquias locais, e na celebração dos acordos coletivos de carreiras, assegura a existência de instrumentos eficazes para a prossecução do interesse público nacional na uniformidade e comparabili- dade de regimes jurídicos, bem como do interesse em assegurar o equilíbrio de contas do sector público. A intervenção de membros do Governo na celebração de acordos coletivos de empregador público no âmbito da administração direta e indireta do Estado pode encontrar justificação nos poderes de direção e de supe- rintendência que sobre estas o Governo exerce – mas tal não é defensável no que diz respeito à administração autárquica, constitucionalmente autónoma nomeadamente em termos de «quadros de pessoal próprio». 23. É possível à lei restringir, condicionar e limitar o poder de contratação coletiva e, em concreto, a margem de livre atuação dos empregadores públicos autárquicos na celebração de acordos coletivos de empregador público – dentro dos limites da Constituição –, designadamente quanto às cláusulas relativas à redução do limite máximo do período normal de trabalho, por exemplo retirando esta matéria do âmbito abrangido pela contratação coletiva ou impondo condicionalismos orçamentais ou financeiros. Nesse caso, terá o Governo legitimidade para, no exercício dos seus poderes de controlo, averiguar do seu cumprimento. A lei também pode vincular a celebração de instrumentos de regulação coletiva pelas autarquias (neste caso, acordos coletivos de empregador público) à conformidade com instrumentos, celebrados pelo Governo, de aplicação geral a todos os trabalhadores em funções públicas ou a todos os integrados em determinada car- reira (como os acordos coletivos de carreira). Estes são instrumentos possíveis para o equilíbrio entre a pros- secução dos interesses públicos supralocais e a tendencial uniformidade de regimes aplicáveis e a autonomia local em termos de pessoal e a adaptação dos regimes à realidade local (artigo 6.º, n.º 1, e artigo 243.º, n. os  1 e 2, da Constituição), mesmo dentro das áreas reservadas à contratação coletiva. No entanto, se o legislador não recorre a nenhum destes mecanismos e consagra a possibilidade de recurso à contratação coletiva, por parte das entidades públicas empregadoras, nomeadamente as autarquias, num determinado conjunto de matérias, então não é admissível que permita ao Governo limitar a autono- mia de atuação das autarquias nesse âmbito. É certo que na solução normativa sob análise o Governo se encontra numa posição negocial paritária à das autarquias. No entanto, na medida em que estas são forçadas a obter o seu assentimento, pois a sua falta impede a celebração do acordo, o Governo pode influenciar decisivamente o acordo. Quando o legislador atribui legitimidade ao Governo, em conjunto com os empregadores autárquicos, para celebrar estes acordos, permite-lhe condicionar a liberdade de conformação do conteúdo material dos acordos à vontade das partes na relação de emprego público, formulando juízos de mérito, conveniência ou oportunidade relativamente à conformação da atividade laboral do pessoal próprio das autarquias locais abrangido pela LTFP. De facto, a norma em causa permite ao Governo sobrepor «as suas próprias opções políticas às das autarquias no exercício dos seus poderes discricionários, restringindo portanto a liberdade de decisão autárquica» (Vital Moreira, “Empréstimos municipais, autonomia local e tutela governamental”, in Direito Regional e Local, n.º 3, 2008, p. 38). Assim, o «Estado é erigido a parceiro necessário de acordo coletivo aplicável a trabalha- dores das autarquias locais, interferindo diretamente na gestão dos mesmos, como se seu empregador fosse» (A. Fernanda Neves, “35 horas de trabalho nas autarquias locais”, in Questões Atuais de Direito Local, n.º 6, 2015, p. 140). A introdução de limites legais «à livre administração autárquica» é diferente da «ocupação, ou respetivo exercício, desse espaço de administração» pelo Governo (A. Fernanda Neves, ob. cit. , pp. 141-142). As normas objeto de fiscalização levam a uma absoluta subalternização do poder decisório autárquico face ao juízo de valor do Governo. A partir do momento em que uma determinada matéria se encontra consagrada na lei como uma área em que pode existir contratação coletiva pública, esta deve ser exercida pelas autarquias de forma autónoma,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=