TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

500 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Embora a decisão recorrida não concretize as razões por que conclui nesse sentido, parece decorrer da invocação da jurisprudência constitucional sobre o tema que, para o tribunal recorrido, a previsão do refe- rido prazo de caducidade, no que respeita às ações de investigação de paternidade a instaurar pelo Ministé- rio Público ao abrigo dos artigos 1865.º e 1866.º do Código Civil, viola o direito à identidade pessoal da criança, na dimensão do direito ao conhecimento da sua paternidade biológica. Não parece que seja assim. Das ações de investigação de paternidade subsequentes à averiguação oficiosa da paternidade 4. Erigindo como matéria de interesse público a determinação da paternidade biológica do menor cujo nascimento seja registado apenas com a maternidade estabelecida, o Código Civil de 1966, no seu primitivo artigo 1847.º, introduziu inovatoriamente no ordenamento jurídico português o processo de ave- riguação oficiosa da paternidade fora do casamento, atualmente regulado, sem relevantes alterações, nos artigos 1865.º e 1866.º do Código Civil. Pretendeu-se, através deste meio processual, alcançar dois objetivos principais: «primeiro, o de diminuir quanto possível o número de filhos de pais desconhecidos, combatendo a inércia e a indiferença dos verdadeiros pais; segundo, o de conseguir que a paternidade fosse reconhecida com a maior brevidade, para que o poder paternal tivesse a maior utilidade social possível» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, 1995, p. 281). Assim, incumbiu-se o conservador do registo civil da obrigação de remeter para o tribunal certidão integral do registo de nascimento do menor lavrado sem a menção de paternidade para que se averiguasse oficiosamente, num processo secreto de natureza administrativa ou prejudicial a identidade do pai (arti- gos 1864.º do Código Civil e 121.º do Código do Registo Civil e artigo 203.º da Organização Tutelar de Menores). A instrução do processo compete ao Ministério Público (artigo 202.º da Organização Tutelar de Menores), que, no final, emite parecer sobre a viabilidade da ação de investigação de paternidade, cabendo a decisão final ao juiz, que ordenará o arquivamento dos autos, caso conclua pela inviabilidade da ação, ou a sua remessa ao Ministério Público, para que a instaure, caso conclua pela existência de provas seguras da paternidade (artigo 1865.º, n.º 5, do Código Civil). A intervenção oficiosa do Estado, no âmbito da constituição das relações jurídicas de filiação, encon- tra a sua fonte de legitimação material no reconhecimento de que o direito fundamental ao conhecimento da maternidade e da paternidade biológicas, que assiste, desde logo, às crianças (artigos 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, 36.º, n. os 1, 4, 5 e 6, 67.º, 69.º da Constituição), constitui matéria de interesse público que extravasa o domínio das relações privadas intersubjetivas e, sobretudo, gera no Estado a obrigação de adotar medidas positivas tendentes a identificar e comprometer ambos os progenitores no processo de desenvolvimento da criança, logo após o seu nascimento, responsabilizando-os conjuntamente pela sua educação e manutenção. A Constituição expressamente consagra a paternidade e maternidade enquanto valores sociais eminentes (artigo 68.º, n.º 2), que incumbe ao Estado defender e promover, e a família como elemento fundamental da sociedade (artigo 67.º, n.º 1). Paralelamente, reconhece às crianças o direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono ou dis- criminação (artigo 69.º, n.º 1), implicando, nessa tarefa, toda a sociedade civil e, desde logo, a família biológica, em cujo seio de proteção a criança deve poder alicerçar o seu processo de desenvolvimento, sendo neste con- texto normativo fundamental que a averiguação oficiosa da paternidade encontra, pois, sentido constitucional. Foi precisamente em ponderação da natureza pública dos interesses envolvidos na ação de investiga- ção de paternidade prevista no n.º 5 do artigo 1865.º do Código Civil, que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 631/05, não julgou constitucionalmente censurável a atribuição normativa ao Ministério Publico do correspondente direito de ação (sublinhando também a natureza coletiva ou pública dos inte- resses envolvidos no processo prévio de averiguação oficiosa da paternidade, cfr., entre outros, Acórdão n.º 616/98).

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