TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

501 acórdão n.º 604/15 Lê-se, a dado passo, no citado aresto: «(…) neste domínio, não pode deixar de relevar-se que a Constituição, no seu artigo 69.º, estatui que ‘as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão (…)’ (n.º 1) e que ‘o Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal’ (n.º 2). Constituindo o direito ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade um direito funda- mental da pessoa, e, como tal, da criança, não pode o mesmo deixar, desde logo, de integrar o conteúdo da proteção que esta tem o direito de reclamar do Estado e da sociedade. Enquanto direito que a sociedade e o Estado devem satisfazer, a sua prossecução assume, desde logo, por aí, a natureza de um interesse geral da comunidade política, ou seja, de um interesse público. Mas mais. O conheci- mento da maternidade e da paternidade são elementos que não podem deixar de integrar, igualmente, o direito fundamental da criança ao livre desenvolvimento da sua personalidade, não só porque lhe permitem o conhe- cimento e a vivência da sua historicidade pessoal – o seu lugar, como pessoa única e irrepetível, na história da sucessão de gerações –, com toda a carga de sentimentos e de emoções que estas (…) são susceptíveis de gerar nela, como, também, porque, intervindo na conformação da família, são susceptíveis, dentro de uma ambiente familiar normal, de lhe proporcionar a aquisição de sentimentos de amor, segurança e confiança na realização dos projetos que dia a dia vai formando, de acordo com a sua evolução racional, para o futuro. Ao considerar a família como elemento fundamental da sociedade (artigo 67.º, n.º 1), ‘a Constituição reco- nhece que o harmonioso desenvolvimento do ser humano não pode ser dissociado das relações estabelecidas na família (cfr. Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição da República portuguesa, Tomo I, 2005, p. 689), onde se viva um ambiente familiar normal. (…) A este propósito, escrevem estes autores ( op. cit. , p. 708) que ‘por isso, o Estado, vinculado positivamente pelos direitos fundamentais, tem o dever de proteger a vida, a integridade pessoal, o desenvolvimento da personalidade e outros direitos fundamentais dos filhos’. Assente que está que corresponde a um interesse público, por encarnar, quer um dever da comunidade políti- co-social, quer um dever do Estado, o direito fundamental ao reconhecimento da maternidade e da paternidade das crianças, não pode, do mesmo passo, deixar de considerar-se que, precisamente em desoneração do dever do Estado, constitucionalmente imposto, a ação judicial tendente a obter esse reconhecimento, por via judicial, possa ser proposta pelo Ministério Público, independentemente da invocação de qualquer poder de representação relati- vamente ao exercício dos direitos dos menores.». Também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/11 expressamente sustenta que «não é possível ignorar que a constituição e a determinação integral do vínculo da filiação, abrangendo ambos os progenito- res, corresponde a um interesse de ordem pública, a um relevante princípio de organização jurídico-social». Nele se afirma, a esse propósito, que «[o] dar eficácia jurídica ao vínculo genético da filiação, propi- ciando a localização perfeita do sujeito na zona mais nuclear do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas na relação pai-filho, tendo projeções externas a essa relação ( v. g. em tema de impedimentos matrimoniais). É do interesse da ordem jurídica que o estado pessoal de alguém não esteja amputado desse dado essencial. (…). E importa que esse objetivo seja alcançado o mais rápido possível, numa fase ainda precoce da vida do filho, evitando-se um prolongamento injustificado de uma situação de indefinição na constituição jurídica da relação de filiação. É do interesse público que se estabeleça o mais breve que seja pos- sível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, fazendo funcionar o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos». Aplicando, ao caso concreto, esse plano de análise, é, pois, possível concluir que o Ministério Público, nas ações de investigação de paternidade subsequentes à averiguação oficiosa da paternidade, age enquanto representante do Estado, em defesa de um interesse público (cfr. artigo 219.º, n.º 1, primeira parte, da

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