TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

502 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Constituição, e artigos 1.º e 3.º, alínea a) , do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro), não como representante ou curador do menor, na defesa do seu direito subjetivo ao conhecimento e reconhecimento da paternidade biológica. Ora, se assim é, como decorre da análise do regime jurídico aplicável e do entendimento que o Tribunal Constitucional dele tem feito, afigura-se claramente infundada a conclusão de que o prazo de caducidade previsto no artigo 1866.º, alínea b) , do Código Civil, para essa categoria de ações, viola o direito à identidade pessoal, na vertente do direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade biológica, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, como desajustada a invocação das divergências jurisprudenciais, no seio do próprio Tribunal Constitucional, a respeito da caducidade das ações de investigação de paternidade pre- vistas no artigo 1869.º do Código Civil. Com efeito, nos presentes autos, discute-se um prazo de caducidade previsto para o exercício do direito de ação de reconhecimento da paternidade biológica que a lei, pelas invocadas razões de interesse público, legitimamente reconhece ao Estado (artigo 1865.º, n.º 5, do Código Civil). O seu transcurso apenas deter- mina a extinção, por caducidade, do autónomo direito de ação do Ministério Público e não, como é evi- dente, a extinção do direito que, nos termos do artigo 1869.º do Código Civil assiste ao próprio filho de intentar a competente ação de investigação de paternidade, para defesa dos seus direitos subjetivos jus-fun- damentais, no prazo alargado previsto na atual redação do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, que o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 401/11, não julgou, aliás, inconstitucional. Por outro lado, se é certo que o direito à proteção que a Constituição reconhece às crianças integra, no seu conteúdo normativo, todos os seus direitos fundamentais, entre eles, o próprio direito ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade biológica, impondo ao Estado a adoção de medidas legislativas e adminis- trativas que os assegurem, tal proteção não pode ir ao ponto de exigir por parte do Estado uma intervenção sem quaisquer limites temporais, que se substitua à vontade dos cidadãos no exercício dos direitos de que são titulares. Como é sabido, trata-se de um domínio normativo que implica com direitos fundamentais conflituan- tes, como o direito à reserva da intimidade da vida familiar, e interfere com áreas de ponderação e opção estritamente individuais, de que o Estado, de acordo com o respetivo padrão constitucional de ação, na sua relação com os cidadãos, se não pode apropriar. Por isso, a lei condiciona o exercício do direito de ação do Ministério Público, no que respeita às ações de reconhecimento da paternidade, em desvio do regime geral (que é o da citação direta), a um controlo judicial prévio tendente a obstar que, num domínio particular- mente sensível como este, o Estado instaure ações temerárias ou sem qualquer fundamento (sublinhando este aspeto, cfr. Acórdão n.º 616/98). Também a esta luz se deverá perspetiva o prazo de caducidade, fixado em dois anos após o nascimento da criança, a que a lei sujeita o exercício do direito de ação do Ministério Público, nestas ações, que é só mais um aspeto do seu regime adjetivo que evidencia, não apenas o propósito legal de conferir ao processo de averiguação oficiosa da paternidade um carácter expedito, como também a preocupação do legislador em traçar limites materiais de intervenção oficiosa do Estado no estabelecimento da filiação, que é matéria que não deixa de integrar o círculo mais íntimo e vital da esfera subjetiva dos cidadãos envolvidos. Finalmente, não estando em jogo o direito de ação de investigação da paternidade do filho, mas o direito de ação de investigação de paternidade do Estado, representado pelo Ministério Público, também não valem aqui as razões determinantes do juízo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novem- bro, mereceu, ao prever a extinção do direito de investigar a paternidade dois anos após a maioridade ou emancipação do investigante (Acórdão n.º 23/06), nem são aqui sequer aplicáveis as reservas constitucionais que a consagração de prazos de caducidade para o exercício do direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade biológica suscitou no seio do Tribunal Constitucional, como o demonstram as várias decla- rações de voto apostas no citado Acórdão n.º 401/11, e ainda suscita no seio da jurisprudência dos tribunais

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