TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

51 acórdão n.º 494/15 apenas limitada por um controlo de legalidade. O facto de a Constituição consagrar as autarquias como empregadores autónomos significa que estas deverão ter a possibilidade de aceder à contratação coletiva, nos termos legais. A norma objeto de análise habilita intervenções do Governo na gestão dos recursos humanos das autarquias que podem incidir sobre o mérito das declarações negociais que os órgãos das autarquias locais entendam fazer, dentro da margem de livre atuação que o legislador confiou aos empregadores públicos, o que é inaceitável. No domínio da gestão de pessoal – porque se trata de um elemento constitutivo da autono- mia local – é dificilmente justificável a existência de mecanismos de codecisão ou ponderação administrativa de interesses, cabendo a sua regulação e eventual compressão ao legislador democrático, dentro dos limites constitucionais. As autarquias, ao atuarem neste contexto estão a exercer a sua autonomia constitucional- mente protegida – que não pode ficar dependente de autorização, confirmação ou outro tipo de controlo estatal do mérito da sua atuação. O propósito da consagração constitucional da existência de pessoal próprio, dotado de um regime legal adaptado à realidade autárquica, é precisamente a garantia do caráter autónomo da administração local, permitindo às autarquias não depender da hierarquia da administração central no seu relacionamento (singular ou coletivo) com os respetivos trabalhadores. 24. O Provedor de Justiça suscita a inconstitucionalidade da norma objeto do processo também face aos «termos delimitados para a tutela administrativa contidos no n.º 1 do seu artigo 242.º». A Constituição limita a tutela administrativa sobre as autarquias à «verificação do cumprimento da lei» (artigo 242.º, n.º 1), pelo que a considerar-se que estamos em presença de uma forma de tutela do mérito da atuação autárquica, esta seria indubitavelmente inconstitucional. Analisando a solução normativa em presença, no entanto, é certo que não estamos perante a instituição de uma relação de tutela de mérito. De facto, atentos o conteúdo e o alcance da norma impugnada, é patente que nela não se estabelece uma relação tutelar. Ao atribuir legitimidade para a celebração de acordos coletivos de empregador público no âmbito da administração autárquica a membros do Governo, não se lhes atribui um poder de controlo sobre a atuação do empregador público autárquico, mas sim uma competência própria de decisão sobre o conteúdo das declarações negociais que, pela parte do empregador público, serão apresen- tadas à contraparte. Ainda assim, a mera inexistência da faculdade dos membros do Governo de dar ordens ou emitir diretivas à entidade autárquica não basta para se considerar respeitada a garantia da autonomia local. Se a Constituição limita a tutela administrativa sobre as autarquias à «verificação do cumprimento da lei», pode daí retirar-se uma conclusão mais abrangente: a rejeição constitucional de uma intervenção con- troladora do mérito da atuação autárquica no que respeita aos seus poderes de autonomia. 25. A participação de membros do Governo, do mesmo lado e paritariamente à entidade autárquica, visa a definição, em conjunto, da posição negocial a adotar pelos sujeitos que unificadamente, como uma única parte contratante, contratam “pelo empregador público”. Trata-se de uma limitação da autonomia local quanto ao seu quadro de pessoal próprio, elemento da autonomia que exige o tratamento das autarquias como empregadores públicos autónomos, no âmbito dos poderes e deveres destas entidades, definidos na LTFP. Concedida uma competência ou atribuição à autarquia, no domínio da sua autonomia, esta tem que a poder exercer em liberdade e sob sua responsabilidade, com os limites da lei. Ou seja, «a lei pode conformar, limitando, o poder de contratação coletiva no âmbito do governo autárquico. O que não é aceitável é a inter- venção administrativa casuística do Estado no exercício da autonomia local» (A. Fernanda Neves, ob. cit. , p. 143). A autonomia local, nos seus vários elementos descritos, só pode ser limitada por vinculações legais que o justifiquem, sob pena de não se poder falar em responsabilidade própria. A modalidade de atuação prevista na norma impugnada (a intervenção administrativa direta do Governo, face a um caso concreto, efetuando juízos de mérito) traduz uma restrição da autonomia do poder local, injustificada pelos interesses públicos em presença, violando, de modo frontal, o princípio da autonomia local previsto no artigo 6.º, n.º 1 da Constituição.

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