TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
514 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No presente recurso está precisamente em causa o princípio da igualdade fiscal, sobretudo na sua ver- tente de uniformidade, ou seja, na medida em que exige que o dever de pagar impostos (neste caso, o imposto do selo) seja aferido por um mesmo critério, traduzido pelo princípio da capacidade contributiva. Impõe-se apreciar se, ao sujeitar a imposto especial os prédios urbanos habitacionais em propriedade total compos- tos por partes suscetíveis de utilização independente e consideradas separadamente na inscrição matricial, atendendo para tal ao somatório dos valores patrimoniais tributários atribuídos às diversas partes do prédio, contrariamente ao que sucede nos prédios constituídos em propriedade horizontal, a referida norma tratou de modo diferenciado situações reveladoras de idêntica capacidade contributiva e, na afirmativa, se essa desi- gualdade de tratamento se revela arbitrária, por introduzir discriminações entre contribuintes desprovidas de fundamento racional bastante. Importa, pois, antes de mais comparar as duas situações em análise, designadamente a situação dos prédios urbanos habitacionais em propriedade total compostos por partes suscetíveis de utilização indepen- dente e consideradas separadamente na inscrição matricial e a situação dos prédios em regime de propriedade horizontal, começando, para tal, por fazer uma breve referência dos institutos da propriedade proprio sensu e da propriedade horizontal. No regime do direito de propriedade em geral, um edifício incorporado no solo apenas poderá ser objeto de um único direito de propriedade que abrangerá, em princípio, a totalidade da construção, o solo e o terreno adjacente, mesmo que essa construção esteja dividida em unidades suscetíveis de utilização inde- pendentes [cfr. artigos 204.º, n.º 1, alínea a) , e n.º 2, e 1302.º do Código Civil]. Este princípio sofre um desvio no regime da propriedade horizontal, nos termos do qual «[a]s frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos» (artigo 1414.º do Código Civil). A aplicação do regime de propriedade horizontal a um edifício pressupõe, que se mostrem verifica- dos determinados requisitos previstos no artigo 1415.º do Código Civil. De acordo com esta norma, «[s] ó podem ser objeto de propriedade horizontal as frações autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública». No título constitutivo da propriedade horizontal, que poderá ser «negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inven- tário» (artigo 1417.º do Código Civil) são especificadas, nos termos do artigo 1418.º, n.º 1, «as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio», sob pena de nulidade do título (cfr. 1418.º, n.º 3, do Código Civil). E, com a constituição de prédio em propriedade horizontal, passam a incidir sobre cada uma das partes do mesmo, juridicamente autonomizadas (as chamadas frações autónomas), direitos de propriedade plena, titulados pelos respetivos proprietários, direitos esses que coexistem com os direitos do conjunto dos condó- minos em relação às partes comuns. Com a aludida modificação jurídica operada pelo título constitutivo, o prédio urbano em causa passa a ter um estatuto jurídico diferente de um prédio urbano sujeito ao regime geral do direito de propriedade. E o mesmo sucede com os direitos reais de usufruto e superfície mencionados na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Ou seja, conforme refere Carvalho Fernandes ( Cadernos de Direito Privado , n.º 15, julho/setembro 2006, pp. 4-5), com a constituição do edifício em propriedade horizontal surge um novo estatuto jurídico desse edifício, alteração essa de estatuto que «consiste em o edifício em causa deixar de ser considerado, para o Direito, como uma coisa unitária – um prédio urbano, proprio sensu, no sentido da alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do Código Civil. Em sua substituição, existe, agora, uma multiplicidade de coisas, as frações autónomas, a que estão indissociavelmente afetas partes comuns do edifício. Cada dum destes conjuntos
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=