TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
524 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Ao contrário do que se poderia pensar, pese embora o sentido divergente das pronúncias, se atentarmos nos fundamentos de cada uma das decisões, verificamos que elas não são contraditórias: bem pelo contrário, assentam no mesmo critério jurisprudencial, sendo perfeitamente coerentes. Esse critério está intimamente ligado à razão de ser da fixação pelo legislador de um limite temporal a partir do qual já não é possível pedir a revisão das prestações. Como sublinha Carlos Alegre ( Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, regime jurídico anotado, 2.ª edição, Almedina, p. 124-132), a fixação deste limite «surge da verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos pri- meiros tempos (daí a fixação de dois anos iniciais em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em 10 anos)». O ponto é que se, até um dado momento, não ocorreu qualquer evolução da lesão, seja pelo agravamento, seja pela melhoria, uma vez ultrapassado esse momento dificilmente ela virá a ocorrer. Esse momento a partir do qual se presume que já não vai haver evolução fixou-o o legislador no termo dos dez anos após a fixação da pensão. Considerou, por isso razoável que já não seja possível pedir a revisão da pensão. Analisando a jurisprudência do Tribunal que acima referimos, verifica-se que o grupo de casos em que foram produzidos juízos de inconstitucionalidade [ponto (ii) ] se reporta a situações de facto em que, a certo momento do período de dez anos, ocorreram revisões da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado (ou, no caso do Acórdão n.º 161/09, por ter sido proferida uma decisão judicial reconhecendo a existência de um elemento novo, igualmente suscetível de contrariar a presunção de estabilização das lesões). Nestas condições, em que se verifica uma circunstância que indicia a não estabilização da lesão no decurso daquele prazo, o Tribunal entendeu que era inconstitucional não permitir a revisão da pensão. O que se com- preende pois, como acima referimos, a impossibilidade de pedir a revisão após aquele prazo tem a sua razão de ser na presunção de que findo aquele período se dá a estabilização da lesão. Já no grupo de casos em que se julgou não inconstitucional a norma do n.º 2 da Base XXII [antecedente do artigo 25.º, n.º 2, da Lei de Acidentes de Trabalho (LAT)] estavam em causa situações em que o prazo de dez anos decorreu sem que tivessem ocorrido quaisquer revisões da pensão (seja porque não foram formulados pedidos de revisão, seja porque foram indeferidos). Aqui o entendimento do Tribunal assentou no pressuposto de que, nessa circunstância, não havia qualquer razão para deixar de presumir a estabilização da lesão. Como tal, o Tribunal con- siderou que não existiam motivos para manter o juízo de inconstitucionalidade que havia formulado nos arestos do grupo (i).» Em especial, no tocante ao Acórdão n.º 161/09 invocado na decisão ora recorrida, foi determinante para a sua ratio decidendi o aparecimento na situação clínica do sinistrado de um elemento singular (cirurgia, a cargo da seguradora, cuja possibilidade de execução derivara da evolução de técnicas médicas inexistentes à data do acidente) que afastou, de modo irrecusável, a presunção de estabilização da situação de incapacidade resultante do acidente. Em suma, o entendimento do Tribunal Constitucional é o de que o legislador dispõe de uma margem de conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f ) , da Lei Fundamental e de que não se afigura desrazoável a fixação de um prazo, a partir da data da fixação da pensão, para o pedido de revisão da pensão, quando não se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão nesse período. Isto porque, de acordo com a experiência médica, a ocorrência de agravamentos (ou de melhorias) tem maior incidência no período inicial, tendendo a situação a estabilizar com o decurso do tempo. Tal prazo legal deve revelar-se, na generalidade e segundo a normalidade das coisas, um prazo suficientemente dilatado para permitir considerar como conso- lidada a situação clínica do sinistrado. Num regime que globalmente é mais favorável ao sinistrado do que o regime geral de responsabilidade civil ( v. g. , promoção oficiosa do procedimento, caráter objetivo da respon- sabilidade, irrelevância da contribuição do lesado para o acidente que não se traduza em culpa grosseira) não é incompatível com o direito à “justa reparação” a ponderação de razões de segurança jurídica e a limitação
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