TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
533 acórdão n.º 633/15 8. Como decorre do exposto, a norma cuja aplicação foi recusada é a do artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE, constituindo esta, por isso, o objeto do recurso. Sucede, porém, que não foi essa a norma que constituiu o fundamento da decisão. De facto, esta fundou-se antes na interpretação do artigo 327.º do Código do Tra- balho e a sua compatibilização com o artigo 53.º da Constituição. Efetivamente, a sentença recorrida, proferida no âmbito de uma ação de processo comum laboral, deci- diu a impugnação de um despedimento, matéria que se rege pelo Código do Trabalho. Não se ignora que a interpretação do artigo 327.º do Código do Trabalho levou pressuposta também determinada interpretação do artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE – no contexto do processo interpretativo que, desta forma, constituiu passo instrumental do processo decisório. No entanto, a norma resultante desse processo interpretativo é distinta, sendo certo que a norma recusada não constitui, nem podia constituir, a ratio decidendi da sentença recorrida. De facto, a decisão a quo não decidiu – nem podia decidir, uma vez que não era esse o objeto do processo – a validade de qualquer ato praticado no âmbito do processo de revitalização em que era devedora a entidade patronal (mais tarde, ré na ação de despedimento). Foi no âmbito desse processo de revitaliza- ção que, por despacho de há muito transitado em julgado (como se dá nota no elenco dos factos provados enunciados na sentença recorrida), foi homologado o acordo a que alude o artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE, tornando-se, pois, desde esse momento, questão definitivamente decidida. Em conformidade, apesar de a norma aplicada ao caso pressupor determinado entendimento sobre a interpretação a dar ao artigo 17.º-F do CIRE, o certo é que a presente decisão se centra numa interpretação do artigo 327.º do Código do Trabalho à luz dos parâmetros constitucionais aplicáveis. Nem poderia ter como ratio um preceito não aplicável ao caso e cuja interpretação e aplicação ao caso já transitou em julgado. Desta forma, ainda que o juiz a quo tenha recorrido a uma interpretação do artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE, esta interpretação constituiu, afinal, apenas um passo instrumental na interpretação conforme à Constituição que viria a fazer do artigo 327.º do Código do Trabalho, norma esta que constituiu o efetivo fundamento da decisão, o que não permite abrir a via de recurso para o Tribunal Constitucional que a alínea a) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição e alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC preveem. 9. Não tendo a norma recusada constituído o fundamento da decisão, o julgamento sobre a sua con- formidade constitucional – que é pedido a este Tribunal Constitucional –, apresenta-se como desprovido de utilidade. Perante o caráter instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade das normas, em que a utilidade do recurso surge como condição do seu conhecimento, impõe-se, portanto, o não conhecimento do recurso. III – Decisão Termos em que se decide não conhecer do objeto do recurso. Custas pela recorrente E., S. A., com taxa de justiça que se fixa em 10 unidades de conta. Lisboa, 9 de dezembro de 2015. – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Pedro Caupers (vencido nos termos da declaração em anexo) – Maria Lúcia Amaral (vencida, conforme declaração que junto, em anexo) – Joaquim de Sousa Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO Não posso subscrever o julgamento de não inconstitucionalidade proferido no Processo n.º 1138/2014. Entendo que a norma do artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE, não in totum – ou seja, na sua aplicação a qual- quer credor da empresa –, mas apenas na sua aplicação aos credores trabalhadores [únicos que beneficiam
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