TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
534 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da proteção assegurada pela alínea c) do artigo 327.º do Código do Trabalho], mais precisamente, aos tra- balhadores que, tendo créditos sobre a empresa emergentes da relação de trabalho, não os tenham visto integralmente satisfeitos, ainda que não hajam participado nas negociações do acordo relativo ao plano de recuperação da empresa ou não o hajam aprovado, ofende a proteção constitucional do direito à retribuição, inscrita no n.º 3 do artigo 59.º da CRP, consubstanciando uma verdadeira expropriação desta, na medida em que em causa está remuneração vencida e correspondente a trabalho já prestado. Deveria, pois, ter sido julgada inconstitucional. Sublinhe-se que as dívidas em causa não são quaisquer dívidas vencidas, mas dívidas correspondentes à remuneração de trabalho subordinado, isto é, de uma forma de atividade humana absolutamente indispen- sável à sobrevivência daqueles que dela dependem. Escreveu-se no Acórdão n.º 635/99 deste Tribunal que «não é aceitável num Estado de direito assente sobre o conceito da dignidade da pessoa humana a manutenção de uma norma que permita a realização de trabalho, mesmo suplementar, sem que o trabalhador veja remunerado o seu esforço, tanto mais que tal ati- vidade foi desenvolvida no âmbito de uma relação de trabalho por conta de outrem». No mesmo Estado de direito tem de ser inaceitável, até por maioria de razão, que trabalho normal já prestado à entidade patronal nos termos contratuais deixe de ser pago, pelo menos sem a concordância daquele que o prestou. – João Pedro Caupers. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida. Teria conhecido da questão. A cisão, que neste caso o Acórdão faz, entre a «interpretação» do artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE e a «interpretação» do artigo 327.º do Código do Trabalho parece-me artificiosa. É para mim claro que entre a «interpretação» das duas normas existe um inquestionável nexo de ligação: o juiz da causa leu como leu a norma do Código de Insolvência porque entendeu que uma outra leitura deixaria vazia de sentido a norma do Código do Trabalho. Entre as duas leituras existe portanto um nexo lógico compreensível, ainda que não, necessariamente, aceitável. Contudo, como não cabe ao Tribunal Constitucional discutir com os tribunais comuns qual deve ser a acertada interpretação do direito ordinário, a questão da «aceitabilidade» do nexo lógico que o juiz da causa construiu entre as duas normas parece-me irrelevante. Relevante, é, sim, o carácter imediatamente apreen- sível de que o mesmo se reveste; e tanto bastaria, em meu entender, para que se entendesse que a recusa de aplicação da norma constante do Código de Insolvência teria corporizado uma «verdadeira» ou «genuína» decisão de não aplicação, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Conhecendo da questão, não a resolveria através de um juízo de inconstitucionalidade. Com efeito, o que me parece ser verdadeiramente incongruente é que se considere que uma norma como esta – a do CIRE – que é pensada justamente para tornar possível a continuação da actividade de empresas em dificuldades, com a consequente preservação das relações laborais nela existentes, seja tida por inconstitucional com fundamento em violação do direito à remuneração (artigo 59.º, n.º 1, da CRP) ou de qualquer direito, liberdade e garantia dos trabalhadores, nomeadamente daquele consagrado no artigo 53.º da Constituição. – Maria Lúcia Amaral.
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