TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

536 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV – Em segundo lugar, mesmo que tenham sido traídas expetativas, essa “traição” foi justificada à luz das poderosas razões de interesse público, amplamente conhecidas, tendo este Tribunal reconhecido, mais de uma vez, que as graves dificuldades económico-financeiras que o país atravessava explicavam e jus- tificavam alguma medida de afetação temporária de direitos e expetativas de trabalhadores pagos por verbas públicas, não se comprovando, desta forma, ofensa do princípio da proteção da confiança. V – Quanto à invocada violação do n.º 2 do artigo 105.º da Constituição, facilmente se comprova a pro- ximidade entre a norma constitucional e o princípio da proteção da confiança: na verdade, trata-se de um verdadeiro corolário deste princípio; ora, tendo já considerado que a norma legal, ao derrogar temporariamente o regulamento de concessões de viagem, não ofende o princípio da proteção da con- fiança, incongruente seria que aqui se concluísse pela sua inconstitucionalidade por violação da norma convencional coletiva que suporta tal regulamento, havendo esta de ter-se por igualmente justificada. VI – Também a alegação de violação do princípio da boa fé improcede, pois não faz sentido imputar ao Governo em funções em 2012 um padrão antiético de conduta por ter derrogado temporariamen- te um regulamento que o(utro) Governo deixou que o órgão de gestão da Comboios de Portugal (CP) adotasse trinta e cinco anos antes; a simples alteração das circunstâncias em período tão dilatado – a que se somou o contexto económico-financeiro a que se encontrava condicionado o Orçamento do Estado (OE) para 2013 – inviabiliza tal imputação. VII – No que toca à alegada violação do princípio da igualdade, verifica-se, partindo das comparações feitas pelos recorrentes com os afetados – trabalhadores dos transportes públicos rodoviários, ferroviários e fluviais –, ser impossível apurar a existência de uma «violação arbitrária da igualdade jurídica», pois nem mesmo se sabe se existe diferenciação, quanto mais se esta, a existir, tem um fundamento sério, pelo que improcede a alegação de ofensa do princípio da igualdade. VIII – Quanto à suposta violação do direito de negociação coletiva, que decorreria da circunstância de o regu- lamento de concessões de viagem se encontrar habilitado por norma de convenção coletiva de trabalho, sucede que a norma legal que aqui se aprecia não tem o efeito de derrogar normas convencionais, menos ainda de fechar à contratação coletiva futura a matéria de concessões de viagem na CP; na verdade, ela nem mesmo atinge a norma convencional que serviu de habilitação, que ficou incólume, sendo o seu efeito, tão-só, o de impedir a produção de efeitos das normas do regulamento editado ao abrigo da nor- ma convencional durante o ano de 2013; acresce que, por um lado, as concessões de viagem, enquanto benefícios complementares em espécie de mais do que duvidosa natureza retributiva, dificilmente pode- riam integrar o conteúdo essencial do direito de contratação coletiva; por outro lado, que, no contexto económico-financeiro da época, descortinam-se razões de ordem pública que justificam a medida de suspensão, pelo que não se dá por verificada a violação do direito de contratação coletiva. IX – Quanto à invocada ofensa pela norma sob escrutínio do direito de participação na legislação laboral, a avaliação deste argumento depende de duas coisas: por um lado, de que se qualifique a norma em causa como legislação laboral; por outro, de que, a sê-lo, não tenha sido efetivamente assegurada a participação; ora, quanto à primeira circunstância, trata-se de uma pura norma de contenção da des- pesa, uma norma orçamental em sentido próprio; contudo, constitua a norma legislação de trabalho ou não, como parece, a verdade é que não se dispõe de elementos suscetíveis de confirmar que a par- ticipação dos representantes dos trabalhadores não foi assegurada, também não se comprovando que o direito de participação na legislação laboral haja sido ofendido.

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