TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015
543 acórdão n.º 634/15 que os familiares do trabalhador não são parte na relação jurídica laboral. Na verdade, seguindo a lógica expressa na douta decisão, ter-se-ia que considerar que a atribuição a um trabalhador de um veículo automóvel para fins particulares não constituiria retribuição se previsse ou incluísse a possibilidade do trabalhador fazer transportar a sua família ou se previsse ou incluísse a possibilidade do veículo ser conduzido por algum seu familiar. 22.ª – Sendo certo que o entendimento no sentido de considerar como retribuição em espécie a atribuição de veículo automóvel para fins particulares se encontra firmado na doutrina e na jurisprudência, nenhuma razão existindo para que a mesma consideração não se aplique ao caso em apreço nesta ação. 23.ª – Em todo caso, como se disse inicialmente, a Meritíssima Juíza do Tribunal da Relação de Lisboa, admi- tindo por mera hipótese que as concessões de viagem possam efetivamente ter natureza retributiva, considerou, como vimos, por um lado, que a irredutibilidade da retribuição não tem proteção constitucional estrito senso e, por outro lado, que a irredutibilidade da retribuição não constitui uma regra absoluta, afirmando que “de facto a norma que proíbe ao empregador na relação laboral comum, diminuir a retribuição [artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho] ressalva os casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”. Desta feita, a diminuição da retribuição justificar-se-ia na norma legal do artigo 144.º, da Lei do Orçamento do Estado para 2013. 24.ª – Ora, por um lado, a irredutibilidade da retribuição, salvo sempre o devido respeito por melhor opinião, tem consagração na al. a) , do n.º. 1, do artigo 59.º, da CRP, que, estabelecendo o direito à retribuição não pode deixar de se referir à retribuição nos termos e condições individual ou coletivamente contratados e, por outro lado, ainda que se admita que a irredutibilidade da retribuição não tem consagração constitucional expressa, a verdade é que, como já se deixou dito nesta peça, a retirada do direito com as características das concessões de viagem, cons- tituiria uma violação dos princípios da boa fé, proteção da confiança e segurança jurídica ínsitos na CRP. 25.ª – Acresce que, do ponto de vista estritamente legal, admitindo que a diminuição da retribuição não cons- titui uma regra absoluta, como se refere na douta sentença recorrida, podendo ser afastada nos termos do artigo 129.º, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, por “casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho”, a verdade é que estes casos não se verificam. Isto é, nem o Código do Trabalho nem os IRCTs preveem a possibilidade de retirada das concessões de viagem – que evidentemente não são ajudas de custo, desde logo porque podem ser utilizadas fora do âmbito profissional –, nem sequer o artigo 144.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013 o prevê. 26.ª – É que, em bom rigor, o artigo 144.º obriga à impossibilidade de fazer transportar os beneficiários das concessões de viagem gratuitamente, mas isso não significa que a recorrente possa diminuir, com fundamento nesta norma, a retribuição dos trabalhadores. 27.ª – De facto, a referida norma do artigo 144.º não tem essa extensão, não podendo deixar de se enten- der, salvo o sempre devido respeito por melhor opinião, que a recorrente tem a obrigação de compensar econo- micamente os trabalhadores do benefício económico que lhes retirou, não havendo norma legal que afaste este pressuposto, que vem sendo válido e aceite pela doutrina e jurisprudência para as situações semelhantes em que as empresas deixam de facultar aos trabalhadores a utilização do veículo que lhes havia sido atribuído para utili- zação particular e, assim se considerando, verifica-se, também por esta via, que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, ao não considerar a obrigação da recorrida compensar economicamente os trabalhadores do benefício económico que lhes retirou. 28.ª – Assim, a norma constante do artigo 144.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, viola: – O princípio da igualdade dos cidadãos, previsto no Art. 13.º da CRP, penalizando especialmente os tra- balhadores dos transportes públicos rodoviários, ferroviários e fluviais, em relação aos demais cidadãos, e mesmo em relação aos trabalhadores de outros modos de transporte público, como o aéreo e o marítimo, sem qualquer fundamento relevante que justifique tal discriminação; – O princípio contido no artigo 105.º, n.º 2, da CRP, porquanto na elaboração do Orçamento do Estado não se teve em conta as obrigações decorrentes de lei e de contrato, visando-se precisamente eliminar o que que se encontrava contratado com trabalhadores, através das suas estruturas coletivas e, além disso, afastar
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