TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

545 acórdão n.º 634/15 anualidade das normas do OE, decorrente do n.º 1 do artigo 106.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”). Foi contra tal desaplicação que a Comissão de Trabalhadores da CP se insurgiu, sustentando que a dis- posição do artigo 144.º, nomeadamente do seu n.º 3, ofenderia a CRP, indicando como violados os seguintes parâmetros de constitucionalidade: a) O princípio da irredutibilidade da retribuição, inscrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP; b) O princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da CRP; c) O princípio da igualdade dos cidadãos, consagrado no artigo 13.º da CRP, na medida em que atin- giria apenas os trabalhadores dos transportes públicos rodoviários, ferroviários e fluviais; d) O princípio da boa fé, posto em causa pela proibição constante do n.º 1 do artigo 144.º, que consubstanciaria, sem que nenhum interesse geral o justificasse, «uma ingerência injustificada e discriminatória na gestão das empresas públicas de transportes ferroviários, rodoviários e fluviais, visando anular, através da utilização do órgão legislativo, o benefício obtido pelos trabalhadores na negociação em sede de contratação coletiva e individualmente, encetada com empresas sobre as quais o Estado detinha e detém o poder tutelar e, por via disso, detinha poder para decidir ou influenciar a decisão no âmbito dessa negociação»; e) O princípio contido no n.º 2 do artigo 105.º, que impõe que o OE tenha em consideração as obri- gações legais e contratuais das empresas; f ) O direito de negociação coletiva, garantido pelo n.º 3 do artigo 56.º da CRP; g) O direito de participação na legislação laboral, estabelecido na alínea d) do n.º 5 do artigo 54.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º da CRP. 6. Comecemos pelo princípio da irredutibilidade da retribuição. Escreveu-se no Acórdão deste Tribunal n.º 396/11: «Não consta da Constituição qualquer regra que estabeleça a se, de forma direta e autónoma, uma garantia de irredutibilidade dos salários. Essa regra inscreve-se no direito infraconstitucional, tanto no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas [artigo 89.º, alínea d) ], como no Código do Trabalho [artigo 129.º, n.º 1, alínea d) ].» E no Acórdão n.º 187/13 acrescentou-se: «Não há razões para afastar este entendimento, expresso no Acórdão n.º 396/11, quanto à não atribuição de estatuto jusfundamental ao direito à irredutibilidade de prestação, nem como direito autónomo, materialmente constitucional, nem como uma dimensão primária do direito fundamental à justa retribuição consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º, da Constituição.» Complementarmente, esclareça-se que, mesmo no plano do direito infraconstitucional, aquele princípio apenas cobre reduções remuneratórias em sentido próprio, como se escreveu no citado Acórdão n.º 187/13: «Deve começar por se anotar que tal regra de direito ordinário apenas vale para a retribuição em sentido pró- prio. Na verdade, ela não abrange, por exemplo, as ajudas de custo, outros abonos, bem como o pagamento de despesas diversas do trabalhador (Maria do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho, II, Situações laborais individuais , Coimbra, 2006, pp. 564 e 551).» Nem abrangerá, acrescentamos, por identidade senão por maioria de razão, o transporte gratuito para o trabalhador e seus familiares em composições ferroviárias da entidade patronal.

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