TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 94.º Volume \ 2015

546 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Continua a não haver razões para afastar o entendimento expresso naqueles dois arestos, o que exclui a existência de inconstitucionalidade por violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. 7. Passemos ao princípio da proteção da confiança. É sabido que o princípio da proteção da confiança, que se tem por ínsito no artigo 2.º da CRP, se prende, nas palavras de Gomes Canotilho, «com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e a previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públi- cos» ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 6.ª edição, Coimbra, p. 257; no mesmo sentido, Paulo Mota Pinto, «A proteção da confiança na “jurisprudência da crise”» in O Tribunal Constitucional e a Crise. Ensaios Críticos, Coimbra, 2014, p.164). Na apreciação de invocações de violação deste princípio, em contexto remuneratório ou de prestações sociais, que se repetiram nos últimos anos, o Tribunal Constitucional tem considerado que a proteção jurídica daquelas calculabilidade e previsibilidade tem a ver, por um lado, com a natureza dos comportamentos do Estado suscetíveis de gerar confiança; por outro, com o tipo de interesses cuja salvaguarda dita a afetação desta.  No Acórdão n.º 128/09 escreveu-se: «Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comporta- mento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa». E no já citado Acórdão n.º 396/11 explicitou-se: «A questão residirá, assim, em saber se aquela afetação se reveste de jeito inadmissível, arbitrário ou excessiva- mente oneroso, sendo que o primeiro daqueles modos – a inadmissibilidade –, se é implicante de uma mudança na ordem jurídica, com repercussão nas situações de facto já alcançadas, com a qual, razoável e normalmente, os cidadãos destinatários das normas pré-existentes e das que operaram a modificação, não podiam e deviam contar, terá também de ser completado com a circunstância de a mutação normativa afetadora das expectativas não ter sido imposta por prossecução ou salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e que, na dicotomia com os afetados, se postem em grau tal que lhes confira prevalência, pois, se não se postarem, haverá, então, falta de proporcionalidade e, logo, uma forma de arbítrio (veja-se, sobre o ponto, o Acórdão n.º 287/90).» Neste mesmo sentido se vem pronunciando alguma doutrina, de que apontamos como exemplo Paulo Mota Pinto ( op. cit. , p.165): «No direito público – quer no direito administrativo, quer no direito constitucional – a proteção da confiança dependerá sempre, necessariamente, do confronto entre a finalidade de “bem comum”, ou de interesse público, avaliado e determinado pelos órgãos competentes, por um lado, e as expetativas (a confiança) frustradas pela medida em causa.» 8. Em matéria de proteção da confiança, a decisão que é objeto do recurso de constitucionalidade utili- zou dois argumentos para sustentar a não inconstitucionalidade da norma. O primeiro assentou na natureza supostamente não retributiva da norma, por ela qualificada de mera regalia ou vantagem social (fls. 194). Contudo, esse não foi o argumento essencial, visto que o próprio Tri- bunal da Relação acolheu a posição da 1.ª instância, que admitiu que, ainda que se reconhecesse natureza retributiva às concessões de viagem (fls. 188), a norma não violava o princípio da proteção da confiança. O

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=